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Leonardo Sakamoto

Temer é refém de sua conspiração. E trouxe a gente para o cativeiro com ele

Leonardo Sakamoto

22/09/2017 04h09

Eliseu Padilha, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima, Michel Temer, Henrique Eduardo Alves e Moreira Franco. Arte UOL

O Supremo Tribunal Federal não teve dó ou piedade do bolso e da dignidade dos brasileiros e encaminhou, nesta quinta (21), a segunda denúncia contra Michel Temer para que a Câmara dos Deputados decida se ele pode ser processado pelos crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça e, com isso, acabar afastado do cargo.

Considerando que ele usará todos os recursos que têm à mão para "convencer" quem for preciso de que seus 3% de aprovação são os que o Brasil precisa agora, deve permanecer onde está.

Michel Temer é um mandatário que pediu para ser sequestrado. Para falar a verdade, ele lutou bravamente a fim de que fosse posto em cativeiro. Apesar de não ter condições éticas para assumir a Presidência da República, conspirou a céu aberto para derrubar sua antecessora – que era tão boa em fazer política quanto em produzir discursos de improviso. E, pior: prometeu a diferentes grupos de atores que seria um refém bem bonzinho e prestativo.

O único ponto é que alguns de seu grupo, ao que tudo indica, continuariam fazendo uma poupança enquanto estivessem no poder. Temos 51 milhões de razões para crer que Geddel, por exemplo, fazia isso. Pois, como todos sabem, o cativeiro não é para sempre.

Temer recebeu a incumbência de servir aos interesses de parte dos grandes empresários, do mercado financeiro e da elite brasileira, garantindo que a conta para sair da crise fosse paga prioritariamente pelos mais pobres, mantendo intactos os privilégios dos mais ricos. Por exemplo, mantendo a carga tributária menor para quem ganha muito. Isso sem contar os perdões bilionários de dívidas previdenciárias e fiscais concedidas e prometidas a empresários, enquanto os trabalhadores são instados a pagar sozinhos o Pato pela falta de recursos na Previdência.

Quando esses empresários, que detém uma chave do cativeiro, olham atravessado para Temer, lá aparece ele, o supremo mandatário, pedindo a benção deles de joelhos em eventos corporativos na capital paulista.

Mas também segue sequestrado pela velha política no Congresso Nacional, que possui a outra chave. Deputados federais, que sabem que o governo não vale uma nota de três reais, aceitam vender, trocar e financiar seus votos pela sobrevivência política de Temer e a de seu bando. Que vai se tornando menor a cada dia uma vez que os membros seguem indo para a cadeia – Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima…

Da mesma forma como foi com a primeira denúncia feita pela Procuradoria Geral da República, nesta o Palácio do Planalto também deve desembolsar emendas e cargos e, principalmente, apoio à aprovação de projetos de lei e perdões de dívidas para que Temer continue podendo ir à Assembleia Geral das Nações Unidas contar mentiras sobre o país (ainda bem que, lá fora, ninguém levou ele muito a sério mesmo).

Outros setores também ajudam a manter Temer sequestrado. Ele é, por exemplo, refém de parte dos militares – pelo menos o grupo que faltou às aulas de democracia no fim da ditadura ou tem saudades da época em que o pau-de-arara construía verdades nos porões de quartéis e delegacias. Basta os militares darem uma tossidinha que o governo volta atras e retira essa categoria de projetos de taxação ou reforma. E quando um general fala tamanha aberração, como a história da "intervenção militar", Temer tem tanto medo que permanece em silêncio. Sabe que está sequestrado e acha que, se reclamar, podem lhe cortar a cabeça. Capaz até dele desenvolver uma Síndrome de Estocolmo com os militares.

Quem acompanha o dia a dia do Congresso Nacional e do Poder Executivo sabe que vivemos um 7 a 1 por dia, com a vida de trabalhadores e grupos vulneráveis virando geleia. Há uma completa inversão de prioridades, como a falta de dinheiro para gasolina de carro de fiscais que tiram crianças do trabalho infantil. Ou seja, desapareceu o mínimo civilizatório.

Temer poderia se libertar do cativeiro que criou para si mesmo e, consequentemente, para todos nós – um pesadelo que parece nunca acabar. É só renunciar.

Nem acho que ele iria para a cadeia caso os indícios contra ele fossem investigados e confirmados em um processo correndo já sem o mandato presidencial. Primeiro, pois levaria um tempão até que todo o trâmite dos recursos transitasse em segunda instância. Ele, que faz 77 anos neste sábado, já teria uma idade mais avançada quando as condenações saíssem, o que iria pesar na decisão da Justiça de um condicional por fatores humanitários, por exemplo. Até imagino que, em seu íntimo, em algum momento ele deve ter pensado: ok, chega, tá ficando feio. O problema é que seus amigos Eliseu Padilha e Moreira Alves não teriam tanta sorte.

Portanto, as coisas não devem mudar. Mas estou realmente cansado de pagar, diariamente, resgate por alguém que a maioria dos brasileiros vê com desgosto. Alguém que enche a bola de seus parceiros sequestradores, grupos que têm compromisso apenas com sua visão estreita de Brasil.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.