Topo

Leonardo Sakamoto

População votará até no demônio se ele garantir segurança e emprego

Leonardo Sakamoto

07/10/2017 12h14

Foto: Luis Moura/Estadão

Ao contrário do que prega o preconceito do senso comum, de que a massa da população é irracional e não sabe votar, o eleitor pode ser bastante pragmático em seus cálculos políticos. Por exemplo, em diversas ocasiões acabou por escolher aquele que o convenceu de que era capaz de garantir empregos e um mínimo de condições para os trabalhadores e suas famílias.

Com a economia indo bem e o país crescendo, a população reelegeu Lula, em 2006, mesmo após as denúncias de corrupção envolverem seu partido. A história é diferente do escândalo da Lava Jato, muitas vezes maior que o do Mensalão. Mas se o país estivesse crescendo e empregos e poder de compra sendo preservados, dificilmente Dilma Rousseff teria um governo frágil e impopular a ponto de sofrer impeachment.

Da mesma forma, Donald Trump não ganhou as eleições presidenciais nos Estados Unidos por conta de seu discurso de campanha ultraconservador. Isso contribuiu, porém ele não conseguiu o voto de eleitores de Estados que desempataram a corrida eleitoral por discursos machistas, xenófobos e homofóbicos. Mas, sim, por prometer ao trabalhador médio norte-americano a recuperação de seus empregos, perdidos com a globalização. Para muitos, o restante foi relevado. Não porque concordassem com os preconceitos de Trump, mas por causa desse cálculo racional.

Não creio que o combate à corrupção será o principal elemento procurado pelo eleitor no ano que vem. Se a recuperação econômica seguir soluçando, como está hoje, e não se traduzir em melhoria real para os trabalhadores, o eleitor médio vai privilegiar quem o convencer, mesmo que de forma vazia, de que produzirá empregos em grande quantidade e devolverá sua "cidadania através do consumo".

Mas outro elemento entra nessa conta. A situação da economia aprofundou a crise de segurança no país. Não que a violência não seja endêmica por aqui há muito tempo, com um número de assassinatos maior que em zonas de guerra. Porém o aumento da pobreza e do desemprego, a falta de recursos para garantir serviços públicos e a incompetência na gestão de governos, como o do Rio de Janeiro, levou à explosão do medo da violência, muito maior que o crescimento da violência em si.

Um número apontado pelo Datafolha, neste sábado (7), de que 72% dos cariocas aceitam a ideia de mudar da cidade do Rio em razão da violência é paradigmático disso. Quem conseguir convencer a população que vai resolver essa situação, mesmo através da adoção de saídas que, na prática, são vazias e ineficazes, ganhará votos.

E mesmo que as propostas sejam pouco democráticas. O estudo "Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil", produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com levantamento do Datafolha, mostrou que, em uma escala de zero a dez, a sociedade brasileira marca 8,1 na propensão a endossar posições autoritárias.

A atual situação de crise institucional e de perda de fé na política como solução pacífica dos conflitos nacionais, abre as portas para indivíduos que se colocam como "salvadores da pátria" a fim de ganhar espaço a fim de nos "tirar das trevas" sem o empecilho da "política" – ou seja, de regras e limites dados pela construção coletiva.

Os temas comportamentais e morais, apesar de fazerem sucesso nas redes sociais hoje, não devem serão o fiel da balança do voto. As milícias digitais responsáveis pelas polêmicas em torno de manifestações artísticas sob a justificativa de resgatar a "moralidade" ou os "bons costumes" sabem disso. Mas o objetivo delas é que, vendendo-se como consciência crítica e guardiões de valores, aumentam a influência e poder sobre a população para outros fins – como aglutinar seguidores visando à eleição de seu candidato no ano que vem.

O problema é que a campanha eleitoral é estruturada no Brasil de forma a privilegiar o marketing sobre os candidatos, mas não o debate público de ideias. Se tivéssemos um debate real de candidatos à Presidência e não aqueles simulacros de discussão produzidos hoje, a situação poderia ser um pouco melhor. Uma sequência de debates, em cadeia de rádio e televisão, um por semana, durante três ou quatro meses, divididos por temas, tratando de forma profundada assuntos de interesse popular, com mediadores que, de fato, questionassem os candidatos quando esses se esquivassem da resposta, garantiríamos mais subsídio à população. Isso ajudaria a mostrar a real natureza de propostas rápidas, vazias, populistas e, não raro, autoritárias e enganosas.

A falta de resposta decente dos atuais governantes à necessidade de empregos e à garantia de segurança pública pode jogar o Brasil não mãos de qualquer um no ano que vem. Não falo apenas de um pré-candidato já existente, mas um "salvador da pátria pode ser qualquer um – inclusive alguém que ainda não apareceu na listas de intenção de voto. Alguém que não tenha apreço pela democracia e pela liberdade.

Algo me diz que estamos cavando lentamente nossa própria sepultura.

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.