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Leonardo Sakamoto

Aproveitem seu dia, professores. Amanhã, o Brasil volta a tratar vocês mal

Leonardo Sakamoto

15/10/2017 20h29

Esqueçam o desvio do orçamento da educação para pagamento de juros da dívida pública, esqueçam a incapacidade administrativa e gerencial, o sucateamento e a falta de apoio para a formação dos profissionais, os salários vergonhosamente pequenos e atrasados, os planos de carreira risíveis, a ausência de infraestrutura, de material didático, de merenda decente, de segurança para se trabalhar. Esqueçam os projetos impostos de cima para baixo que fecham escolas e desfazem comunidades escolares. Esqueçam o gás lacrimogênio e as balas de borracha contra professores que fazem greve.

O Brasil joga nas costas do professor e do aluno a responsabilidade pelo sucesso ou o fracasso das políticas públicas de educação. Sabe aquele papinho vazio de que o "sucesso" depende de cada um, que pode conseguir vencer e, apesar de toda adversidade, "ser alguém na vida"? Esse discurso passa uma mensagem do tipo "quem não consegue chegar lá por conta própria sem depender de uma escola de qualidade, de um bom professor e de uma rede de proteção social é um verme nojento que merece nosso desprezo".

Ouve-se, com frequência, que uma pessoa "é pobre porque não estudou". Como se bastasse aos pobres passarem pelas carteiras escolares para terem as mesmas oportunidades aos quais os mais ricos têm acesso desde o berço. E quando um professor fomenta um debate na escola sobre quem faz as leis que garantem a manutenção do privilégio de alguns e o porquê de terem sido feitas dessa forma (primeiro passo para que as coisas mudem), recebe uma advertência ou é alvo de protestos alucinados de milícias digitais e pais alucinados.

Uma educação de baixa qualidade, insuficiente às características de cada lugar, que passa longe das demandas profissionalizantes, com professores mal tratados e incapaz de fazer sentido para os jovens pode mudar a vida de um povo?

A verdade é que uma mudança real e profunda na educação no Brasil não será feita por um Estado mínimo apoiado em escolas particulares, sonho de uma parcela da sociedade que pede "Mais Educação", mas tem orgasmos múltiplos quando vê professores apanharem na rua ao protestarem por melhores condições e alunos serem cercados pela polícia por ocuparem suas próprias escolas.

Estado que ficou mais mínimo ainda após o governo Michel Temer e o Congresso Nacional aprovarem a PEC do Teto dos Gastos, congelando investimentos públicos em áreas como educação pelos próximos 20 anos.

Uma das principais funções da escola deveria ser produzir pessoas pensantes e contestadoras que possam colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está.

Educar pode significar libertar ou enquadrar. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação precisamos ter? Para essa tarefa, professores bem formados e remunerados, com qualidade de vida e carregando a certeza de que não serão agredidos em sala de aula ou demitidos por sua opinião, são fundamentais.

Infelizmente, uma mudança estrutural na educação causa calafrio em muita gente que, na dúvida, prefere um país sem futuro do que um futuro que não possam mais controlar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.