Por mais Chitãozinho e Xororó e menos Pai Nosso nas escolas públicas
Barra Mansa, no interior do Estado do Rio de Janeiro, determinou que os quase 20 mil alunos das 65 escolas públicas do município rezem o Pai Nosso todos os dias antes das aulas. Segundo comunicado da Secretaria de Educação, a justificativa é que a oração "por ser universal, é aceita pela maioria das manifestações religiosas". O caso, claro, gerou polêmica.
Isso é mais uma prova do esgarçamento institucional pelo qual passa nosso país, em que o poder público cria regras e leis que são dissociadas dos desejos e demandas da população. Pois se os gestores de Barra Mansa tivessem parado por um minuto e escutado o povo saberiam que universalmente aceita – não apenas por religiosos, mas por todos, independente de cor de pele, identidade de gênero e classe social – é a música "Evidências", imortalizada nas vozes de Chitãozinho e Xororó.
Em primeiro lugar entre os karaokês do Monte Caburaí ao Chuí, "Evidências" pode ser amada ou odiada, mas é amplamente conhecida. Quem melhor definiu o que ela significa para os brasileiros foi, aliás, alguém acima de qualquer suspeita: o padre Fábio de Melo. Segundo ele, "Evidências" é "o verdadeiro hino nacional".
Se existir um criador, o que ele prefere? Um aluno rezando mecanicamente um Pai Nosso antes de entrar em aula ou um pátio lotado de pessoas cantando alegremente estes versos:
"E nessa loucura, de dizer que não te quero
Vou negando as aparências
Disfarçando as evidências
Mas pra que viver fingindo
Se eu não posso enganar meu coração"
Dá até para fazer coreografia. Não tenho dúvida que Deus, se existir, assobia "Evidências".
A Secretaria de Educação afirmou que os alunos que não quiserem orar devem apresentar um pedido de dispensa assinado pelos pais. Isso pode gerar um constrangimento aos alunos de famílias que não professam a fé cristã, sendo apartados dos coleguinhas por conta de sua crença. Porém, isso não aconteceria com "Evidências". Não sou fã de sertanejo, mas os primeiros acordes desse clássico fisgam, independentemente se você acredita no rock, no funk, no brega ou no banquinho e violão.
Uma escola que fale sobre as principais religiões do Brasil e do mundo, bem como sobre a filosofia por trás delas, e não catequize alunos em torno de apenas uma teria o poder de reduzir o medo dos futuros cidadãos quanto ao desconhecido. E, portanto, aumentar a empatia e diminuir o ódio e a intolerância religiosas. Fieis de religiões de matriz africana têm sofrido cada vez mais violência, especialmente no Estado do Rio de Janeiro, pelas mãos de quem diz fazer isso em nome do evangelho, mas desconhece a ideia de amor e compreensão que está no centro da sua e de outras religiões.
Amor que está presente em "Evidências".
Já que o país deu um passo para enterrar o Estado laico quando o Supremo Tribunal Federal autorizou o ensino confessional religioso em escolas públicas, então proponho aulas com um culto a Chitãozinho e Xororó. Afinal, histórias cantadas sobre o interior do Brasil e sobre a velha dor de amor têm muito mais a ver com o povo daqui do que os peixes do mar da Galiléia.
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