Topo

Leonardo Sakamoto

Base histórica do PT deve sentir depressão ao ver líderes sorrindo ao PMDB

Leonardo Sakamoto

03/11/2017 16h32

Lula é recebido, em Alagoas, pelo senador Renan Calheiros e o governador Renan Filho. Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

Luiz Marinho, pré-candidato petista ao governo paulista, afirmou que o partido já apanhou por seus erros, fez sua autocrítica e chegou a hora da redenção. Ao mesmo tempo, defende que o PT permita alianças com partidos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff. Em entrevista a Ricardo Galhardo, do jornal O Estado de S.Paulo, demonstrou desconforto com o PMDB paulista, por conta de Temer, mas disse que o diálogo com outros estados está em aberto.

Nicolau Maquiavel diria que o pragmatismo do ex-prefeito de São Bernardo do Campo em nome do retorno de seu partido ao poder é pura virtude política.

Mas muita gente dos movimentos e organizações sociais da base do partido deve entrar em depressão profunda quando ouve um de seus dirigentes dizendo que o PT já fez a autocrítica. Sendo que a maior prova de que nem chegou perto dela é o tipo de aliança que está disposto a refazer para chegar lá de novo.

Acordos com o PMDB em estados significam acertar parceria com a agremiação responsável por comandar a tungada nos direitos de trabalhadores, atacar territórios de comunidades tradicionais, dificultar o combate à escravidão, diminuir a proteção ambiental.

Isso é mais uma mostra do descompasso entre a vontade de uma parte da base, fiel aos ideais originais do partido, entre eles, a defesa da ética, e a cúpula. A esse, somam-se várias outras decepções da militância, como a falta de empenho de alguns senadores petistas no afastamento de Aécio Neves no mês passado. Ou a imagem de Lula dividindo um palanque com Renan Calheiros, em Alagoas, no mês de agosto.

De um lado, o desejo da base de construir um novo projeto que passe pela efetivação de políticas públicas de qualidade, garanta a proteção aos direitos humanos e mude a representatividade e a forma de se fazer política – o inclui a continuidade do combate à corrupção. De outro, a vontade de uma cúpula de retomar o poder diante de um cenário econômico que não permite mais a conciliação lulista entre capital e trabalho.

Parte dessa cúpula não abandona o discurso do desenvolvimento a qualquer preço – que levou a aberrações como Belo Monte, menina dos olhos de Dilma Rousseff, obra envolvida em desmatamento ilegal, violência contra populações indígenas e ribeirinhas, trabalho escravo e tráfico de pessoas e, claro, corrupção.

Desconfio que essa cúpula não entende muito bem quem é o novo eleitor de classe média baixa que diz representar, que toma Lula como exemplo não pela política, mas por ter vencido na vida. Acha que fala em nome do povo e que as denominações cristãs neopentecostais nas comunidades não sabem de nada, não percebendo que, na verdade, é o oposto. Segue prepotente, acreditando que entende como funciona a dinâmica de manifestações sociais, culpando a mídia por todos os seus problemas, mesmo quando eles próprios contribuíram por colocar mais combustível onde já pegava fogo. E, em nome do retorno ao poder, mantém conversas com semoventes impronunciáveis.

A reconstrução do PT ou mesmo a construção de outra alternativa partidária não deve ganhar fôlego enquanto o futuro de Lula não tiver sido resolvido. E pela possibilidade de competir com liminares, talvez isso não aconteça antes da campanha eleitoral estar pegando fogo – o que redobrará a importância da escolha do vice ou da vice. Porque, da última vez, o partido enfiou um goela abaixo de sua militância e, hoje, faz de conta que não foi exatamente a sua política de alianças que o pariu.

O PT precisaria realizar uma autocrítica real, reconstruir sua narrativa e apresentar um novo projeto de país a tempo dele ser trabalhado em suas bases e debatido com a população se quiser se renovar. Mesmo se esse processo começasse agora, há dúvidas se estaria maduro para as eleições de 2018 ou apenas 2022. Lula pode concorrer e até ganhar, mas será pela saudade de um passado (que talvez não se repita) e não por uma proposta de futuro.

Há iniciativas no próprio partido buscando a construção de uma novo plano para o país, mas que não contam com apoio da cúpula como deveria. E esse plano só fará sentido se for cimentado coletivamente, considerando as pautas e as lideranças de movimentos identitários e de gênero. Afinal, um Brasil apenas de homens brancos é incapaz de produzir alternativas legítimas.

Resta saber se as lideranças petistas vão olhar para baixo e ouvir o que sua base fala, resgatando a mudança que pretendia ser. Ou seguirá adiante, correndo o risco de ir pelo mesmo caminho que o conduziu ao cadafalso, repetindo tudo. Dessa vez, não mais por tragédia, mas por farsa.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.