Presidente do TST defende que corpo de pobre vale menos que o de rico
"Não é possível dar a uma pessoa que recebia um salário mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria."
A frase é do ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, presidente do Tribunal Superior do Trabalho, em entrevista a Laís Alegretti, na Folha de S.Paulo desta segunda (6).
Ele se refere à mudança aprovada na Reforma Trabalhista de Michel Temer que limita o valor de uma indenização a 50 vezes o ultimo salário contratual do ofendido, ainda que se trate de um dano grave.
O ministro diz que "às vezes, é por uma brincadeira de mau gosto que se aplica a indenização por dano moral". Mas esse tipo de dano não inclui apenas assédio, mas também perdas de parte do corpo, amputadas por acidentes no serviço. O que acontece desde o trabalho de derrubada de floresta na expansão da fronteira agrícola na Amazônia até o processamento de carne em grandes frigoríficos no Centro-Sul do país.
Eu não diria que uma pessoa que perde uma mão ou uma perna, fica impossibilitada de andar ou é condenada a tomar morfina pelo resto da vida devido às graves e permanentes lesões causada pelo esforço repetitivo na linha de produção ganhou na loteria. Mas há quem acredite que estar na cúpula do Judiciário, tendo acesso a um rosário de benefícios que o cargo traz, sim.
Questionado se é justo que duas pessoas que sofreram o mesmo dano recebam indenizações diferentes, ele se justificou dizendo que "o juiz é que vai estabelecer a dosagem", podendo equalizar as compensações. "Se a ofensa é a mesma, a tendência será, para o trabalhador que ganha muito, jogar o mínimo, e o que ganha pouco, jogar para o máximo."
A opinião do ministro não é compartilhada pelo Ministério Público do Trabalho. "Ao determinar como parâmetro o salário contratual para a fixação da indenização, o legislador estabelece que a moral do rico vale mais do que a do pobre. E sobretudo, porque os valores, de tão desprezíveis, não servem à finalidade mais notável do instrumento: a reparação do mal causado", afirma o procurador Tiago Cavalcanti, que coordena a área de enfrentamento ao trabalho escravo do MPT.
"Danos graves, como morte, amputação, desfiguração, escravidão ou perda da visão e da audição, ensejarão o pagamento máximo de R$ 46.850,00 [em valores de hoje, para quem ganha um salário mínimo], independentemente da capacidade econômica do empregador ofensor, ainda que se trate de instituições financeiras com lucro líquido anual na casa das dezenas de bilhões de reais", explica.
Devido às críticas que esse item sofreu, o Palácio do Planalto prometeu alterá-lo na medida provisória que deve encaminhar até o final desta semana ao Congresso Nacional. Esse foi um dos pontos que haviam sido acordados para que senadores da base do governo aceitassem aprovar o texto vindo da Câmara dos Deputados sem alterações. Ou seja, até a parte do Senado (que é uma casa de empresários) que apóia Temer acha que o limite colocado dessa forma ficou exagerado. Mas, ironicamente, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, não.
Porém, na minuta da medida provisória entregue pelo Executivo, a indenização mínima seria de R$ 16,5 mil e a máxima de R$ 276,6 mil. Para a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a mudança deveria vetada porque a limitação do valor a ser concedido pode não garantir a inteira reparação do dano.
Isso me lembra o caso de uma fazenda na Amazônia em que os auditores fiscais do trabalho encontraram uma espécie de tabela para partes do corpo perdidas no serviço. Um dedo valia X, um braço Y, uma perna Z. Se a pessoa morria, contudo, o valor que a família receberia de indenização era menor que se as partes fossem perdidas uma por vez. Ou seja, o todo valia menos que as partes. Afinal de contas, a pessoa não estava mais apta ao serviço.
Mas tudo bem. No Brasil do amanhã, o que importa é que as pessoas trabalhem. Se forem assediadas, esfoladas, amputadas, moídas, destruídas no meio do caminho é apenas um pequeno efeito colateral em nome do crescimento econômico do país.
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