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Leonardo Sakamoto

A Reforma Trabalhista passa a valer hoje. Aos trabalhadores, meus pêsames

Leonardo Sakamoto

11/11/2017 07h09

Como foi feita a Reforma Trabalhista, que passa a valer neste sábado (11)? A partir de meia dúzia de propostas encaminhadas pelo Palácio do Planalto, ela ganhou corpo na Câmara dos Deputados com dezenas de acréscimos. Grosso modo, o texto final foi inspirado por demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas e por posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho – posições que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores. Ou seja, foi uma forma rápida de dar um cavalo de pau na relação entre patrões e empregados.

As leis e a Justiça trabalhista, mesmo com suas imperfeições, têm sido responsáveis por garantir um mínimo de dignidade a milhões de brasileiros e a evitar que a lei da selva, ou seja, a sobrevivência do mais forte, prevaleça. Com o aprofundamento de uma crise econômica, os trabalhadores são os primeiros a sofrerem perdas substanciais. Deveriam ser os mais protegidos, portanto. Mas foram os primeiros – e talvez os únicos – a serem punidos.

Enquanto isso, dividendos recebidos seguem sem ser taxados, fazendo com que a classe trabalhadora pague mais imposto através de sua renda assalariada e do consumo do que quem é proprietário ou sócio de grandes empresas.

Por causa da esbórnia correndo solta entre os Três Poderes em nome da impunidade e "governabilidade", ou seja, da manutenção dos privilégios de poucos. Por conta da quantidade de sindicatos e sindicalistas subservientes ao poder político e econômico que só pensaram em sua própria sobrevivência. Devido a uma população que teve negada historicamente o acesso à formação e informação e hoje é porcamente consciente sobre seus direitos e sobre a estrutura de exploração na qual está inserida. Pelo entorpecimento trazido pelo bombardeio simbólico na rede e de parte da mídia, que faz você acreditar que quem faz greve em nome da própria dignidade é burro. E pelo cansaço extremo de uma população pobre que trabalha tanto que, quando chega em casa, é incapaz de ter tempo de refletir sobre sua própria condição antes de cair morta na cama, a Reforma Trabalhista foi aprovada sem um debate profundo no Congresso Nacional e sem salvaguardas decentes para proteger os mais pobres.

Membros da cúpula do governo federal e parlamentares não se dignaram a explicar à população mais pobre suas propostas de mudanças e o real impacto na vida dessas pessoas. Em compensação, estavam sempre presentes em encontros com empresários para mostrar que estão fazendo tudo direitinho, conforme o combinado.

O relator da Reforma Trabalhista na Câmara dos Deputados, Rogério Marinho (PSDB-RN), em evento com empresários, num rompante de sinceridade, reforçou o que os críticos ao projeto de lei avisavam há tempos: "A reforma da Previdência nos deu uma espécie de cortina de fumaça. Só se discute a reforma da Previdência, só se fala da reforma da Previdência. Está fora do radar a Reforma Trabalhista. E é bom que seja assim". Assim, sem pudor algum.

Tentar aprovar leis sem que o povo saiba o que está acontecendo para não poderem atrapalhar é algo comum a regimes autoritários. Mas não combina com uma democracia. Se fossemos uma, isso seria preocupante.

É claro que o país precisa de uma atualização de toda a legislação que regula a relação capital e trabalho e não apenas da CLT. Mas, primeiro, o Congresso Nacional deveria ter reunido todas as leis, instruções normativas, regras, enfim, e simplifica-la, retirando redundâncias e facilitando a vida do trabalhador e do empresário. E só depois buscar os pontos de consenso para começar uma profunda discussão com ampla participação da população, debates pela imprensa, discussões em escolas e empresas. Ou seja, já que era para rediscutir o contrato social de compra e venda de mão de obra, que os dois lados pudessem ter participado de forma efetiva.

A massa dos trabalhadores não reconhece, hoje, a legitimidade do Congresso Nacional para realizar reformas que mudam profundamente sua vida. Sabem que boa parte dos parlamentares não representam ninguém além de seu próprio umbigo e as empresas que os arrendaram através de doações de campanha e caixa 2.

O mais irônico dessa história é que, no final das contas, Michel Temer, acusado de atropelar a lei em nome de interesses de empresas, conseguiu a aprovação de um projeto que atropela a lei em nome de interesses de empresas. Para garantir a manutenção de seu grupo no poder e longe da cadeia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.