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Leonardo Sakamoto

Reforma da Previdência: governo Temer não dialoga com o povo, faz chantagem

Leonardo Sakamoto

15/11/2017 12h48

Foto: Andre Coelho/Agência O Globo

"Já chegou no osso." O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, usou essa expressão para dizer que, em sua opinião, não é possível mais alterar a proposta de Reforma da Previdência. Em entrevista à Folha de S.Paulo, nesta terça (14), também disse que "o governo cumpriu seu papel quando aceitou fazer flexibilizações, agora é hora do Congresso votar".

O governo Michel Temer tem apelado, há um bom tempo, para a chantagem como instrumento de convencimento público quando o assunto é a reforma das aposentadorias. Usam as conhecidas técnicas do "ou tudo é aprovado do jeito que nós queremos ou o Brasil vai se transformar em um lago de enxofre" ou "as pessoas que usam o cérebro sabem que fizemos tudo o que era possível". Em outras palavras, no lugar dos necessários diálogos econômico, político e social, a mumunha. Vejamos outros exemplos que tenho registrado aqui no blog:

"Eu digo que o Congresso é soberano. No entanto, estamos dialogando e fornecendo cálculos. Não é uma questão de opinião política ou desejo. É uma necessidade matemática, fiscal", afirmou, no último dia 9, o ministro da Fazenda e ex-banqueiro, Henrique Meirelles.

"A gravidade da situação é essa: estamos prestes a não poder pagar a Previdência." A frase é de Dyogo Oliveira, ministro do Planejamento, em evento, no dia 11 de setembro, em São Paulo. "Não há possibilidade de estabelecer equilíbrio fiscal sem a Reforma da Previdência."

"Se não se fizer essa reforma agora, daqui a três anos teremos que fazer, senão daqui a sete paralisamos o país", afirmou, em março deste ano, Michel Temer durante uma conferência empresarial de São Paulo, segundo a conta de Twitter do Palácio do Planalto.

E, em junho do ano passado, Temer afirmou que "ou a Previdência Social tem de ser reformulada ou então todos os pensionistas sofrerão".

"Se a Reforma da Previdência não sair: Tchau, Bolsa Família; adeus, FIES; Sem Novas Estradas; Acabam os Programas Sociais", diz uma ilustração que tem, no fundo, uma imagem de cidade em ruínas – parte de uma peça de propaganda veiculada pelo seu partido, o PMDB, nas redes sociais neste ano.

Temos mais opções para além do maniqueísmo e da dualidade rasos. Sempre. Mas querem nos fazer crer que não.

Não é por acaso que o governo Temer não opta por essa formulação de "chantagem": "Ou a Previdência Social é reformulada da forma como estamos propondo ou dividendos voltarão a ser taxados ao serem embolsados por sócios de grandes empresas e criaremos alíquotas de 30% e 40% no Impostos de Renda para quem ganha muito".

Há estudos conduzidos pela equipe econômica do governo que preveem essas ações. Ou seja, não são coisa de comunista. E sua adoção ajudaria a diminuir a injustiça tributária. Mas como atingem diretamente a classe social daqueles que mandam no país, então foram deixadas de lado. Esse recurso extra não resolveria a questão do caixa da Previdência, mas traria justiça social e reduziria a desigualdade. E mostraria que o governo se importa com algo além de seu clube particular.

A beleza de uma democracia é que, nela, os caminhos deveriam ser discutidos abertamente e as decisões tomadas coletivamente. E se há um buraco a ser coberto, que ele seja socializado – com os mais vulneráveis pagando menos o pato do que os patos amarelos, hoje mais protegidos. Está sendo dado ao povo uma escolha: ou aceita a revisão de seus direitos, diminuindo seu alcance e efetividade, ou fica sem nada.

Isso está longe do que se espera de uma democracia. Como já disse aqui antes, o "autoritarismo" é como uma "chantagem": ambos podem ser lustrados com óleo de peroba através de ternos bem cortados e palavras bonitas a fim de perder o jeito opaco, a dureza e a asperez. Mas não se livram de sua natureza.

Neste momento, a Presidência da República deveria convocar um grande debate nacional sobre o tema, buscando ouvir diferentes pontos de vista para desenhar uma Previdência Social que não mantenha distorções e nem beneficie apenas alguns grupos em detrimento ao restante da população. Que, aliás, discorda da Reforma: de acordo com a última pesquisa Datafolha sobre o tema, 71% do país era contra a proposta do governo para a mudança nas aposentadorias.

O problema é que, como já disse aqui, governo federal e Congresso Nacional já romperam todas as ligações possíveis com a vontade da maioria de seus eleitores. Representam a si mesmos (afinal, a maior bancada é dos deputados-empresários) e a seus patrocinadores. Além das forças políticas que prometeram salvá-los da guilhotina das punições por corrupção.

O pior de tudo, o que dói mais, é que nem eles parecem acreditar nas chantagens que fazem. Afinal de contas, temos um roteiro incomparável e surpreendente de um thriller de ação, política, suspense, traição, reviravoltas, sexo. Mas os atores escolhidos para os papeis de protagonistas são muito canastrões.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.