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Leonardo Sakamoto

Temer, aposentado aos 55, deveria usar sua pensão para "comprar" deputados

Leonardo Sakamoto

28/11/2017 07h02

Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Michel Temer, que reclama ser injustamente criticado pela imprensa e pela sociedade civil, deveria aproveitar o momento turbulento e dar um exemplo ao país. Afinal de contas, é isso o que lideranças fazem.

Enquanto seu governo busca aprovar a implementação de uma idade mínima na Reforma da Previdência, de 65 anos para homens e 62 para mulheres, ele poderia abrir mão da pensão que recebe por ter se aposentado como procurador do Estado de São Paulo desde os 55 anos. Hoje, Temer tem 77.

Da mesma forma, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, é aposentado como deputado federal desde os 53, ou seja, há 18 anos. E Geddel Vieira Lima, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo e, agora, hóspede do presídio da Papuda, também recebe pensão como deputado aposentado desde os 51 anos (hoje tem 58).

E não é só a idade mínima. Pelas novas regras que o governo tenta aprovar, o trabalhador do setor privado que contribuir por 15 anos receberá 60% da aposentadoria integral e não mais 85%. Para ter acesso a 100%, terá que carregar o INSS por 40 anos.

Quem perde com isso é a classe média baixa assalariada. Ela não entra na faixa de pobreza para receber o Benefício de Prestação Continuada (a assistência social garantida aos idosos), nem pretendia se aposentar apenas com um salário ao atingir os 65/62 anos e 15 de contribuição como ocorre com muitas pessoas que contribuem pelo mínimo. Por ganhar um pouco mais, mas não muito, considerava que teria uma pensão melhor. O que não será o caso.

Como já disse aqui, o Brasil precisa de uma Reforma da Previdência. Mas não essa, feita à toque de caixa e sem ampla discussão com a sociedade, mas uma que leve em conta os diferentes posicionamentos e números.

Diante dessa situação constrangedora, a cúpula do PMDB, tanto a parte que está fora quanto a que está na cadeia, deveria – ao menos – usar suas próprias pensões para "comprar" os votos dos parlamentares que votarão a Reforma da Previdência em breve.

Dessa forma, a aprovação forçada da mudança no Congresso Nacional – que levará aos trabalhadores a se aposentar mais tarde e a contribuir por mais tempo a fim de conseguir uma pensão digna – seria financiada também com o dinheiro oriundo dos privilégios que essa cúpula recebe.

Claro que os valores das aposentadorias recebidas pelo grupo são infinitamente menores que a somatória bilionária de emendas parlamentares, perdões de impostos e apoio a medidas e leis que estão sendo concedidos a políticos e seus patrocinadores toda vez que Temer precisa aprovar alguma retirada de direitos da população.

Mas, ao menos, ninguém ia mais chamar Temer de incoerente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.