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Leonardo Sakamoto

Temer deveria taxar ricos antes se quisesse lutar contra "privilégios"

Leonardo Sakamoto

30/11/2017 08h06

Foto: Sérgio Lima/Poder360

Mesmo com o Brasil na penúria financeira, com programas sociais reduzidos e políticas públicas esvaziadas, Michel Temer torrou milhões de reais em propaganda para convencer a população de que a Reforma da Previdência tem o objetivo de combater privilégios.

A Justiça Federal acatou ações de associações de funcionários públicos e suspendeu, nesta quinta (30), essa campanha. Segundo a decisão, ela seria "ofensiva e desrespeitosa" aos servidores por dizer que a razão da reforma são as aposentadorias por eles recebidas. O governo pode recorrer, mas dinheiro público já foi gasto nisso.

Através da campanha, trabalhadores mais pobres foram alertados pelo governo de que, para eles, nada iria mudar. Bem, se contribuem pelo mínimo ou dependerem da assistência dada aos idosos pobres (BPC), sim. Mas caso contribuam para uma pensão de dois salários mínimos ao se aposentarem por idade e 15 anos de carregamento, por exemplo, receberão 60% da aposentadoria integral e não mais 85%. Para ter acesso a 100%, terá que pagar o INSS por 40 anos. Apenas na cabeça de planilha de um burocrata insensível que um trabalhador que recebe dois salários mínimos de pensão não passa por dificuldade para efetivar sua cidadania no Brasil.

Ou seja, Temer usou o dinheiro dos seus impostos contra você, sem te explicar o cenário completo. Segundo o Painel, da Folha de S.Paulo, desta quinta (30), o governo acha que estava dando certo. Particularmente, não acredito pois a população já está escaldada.

Se a Presidência da República realmente quisesse combater privilégios, teria feito uma Reforma Tributária com justiça social antes de mexer com as aposentadorias. Taxando em 15% os gordos dividendos recebidos por ricos cidadãos de suas grandes empresas. Ou criando alíquotas de 35% e 40%, no Imposto de Renda, para altíssimos salários. Hoje, a classe média paga, relativamente, mais impostos que os muito ricos.

A equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, até tentou apresentar proposta nesse sentido, mas foi espancada pela parte mais rica da opinião pública. Não resolveria o problema de caixa no Brasil, mas deixaria claro que o governo não existe apenas para espoliar pobres (através dos altos impostos relacionados ao consumo) e classe média.

Desde que o atual governo assumiu, temos presenciado uma espécie de terrorismo de Estado através de propagandas que defendem a Reforma da Previdência, dizendo que ou ela é aprovada ou virá o apocalipse.

Agora, além do governo federal estar usando essas chantagens grosseiras junto à população pela aprovação do projeto, também usou a mesma técnica da campanha presidencial de 1989 de Fernando Collor de Mello, a de "caçador de marajás". Sendo que tanto Collor quanto Temer se provaram, na verdade, defensores dos ditos marajás.

O Brasil sempre foi incompetente em garantir o cuidado com a coisa pública nessa área. Governos distribuem verbas publicitárias de acordo com seus interesses a grandes, médios e pequenos veículos sem criar uma política nacional que seguisse princípios da administração pública, como a impessoalidade. Que significa que o Estado não pode beneficiar ou prejudicar alguém só porque esse alguém é seu amigo ou inimigo. Qual a consequência disso? A publicidade governamental (que vem do dinheiro dos impostos de todos) não é usada para o bem público, mas para o interesse de um grupo em particular. Neste caso, a Previdência Social precisa de mudanças, mas não necessariamente da forma como o governo e parte da elite econômica quer nos fazer engolir.

Se, por um lado, Temer e representantes do governo federal são aplaudidos em eventos empresariais quando defendem a Reforma da Previdência e a redução do Estado de bem-estar social, de outro, escondem-se atrás de publicidade estatal e propaganda partidária ao invés de falarem, cara a cara, com a população que será diretamente afetada pelas mudanças. Respondendo incômodas perguntas, por exemplo.

Temer deveria convocar um grande debate nacional sobre a aposentadoria, buscando ouvir diferentes pontos de vista para desenhar uma Previdência Social que não mantenha distorções e nem beneficie apenas alguns grupos em detrimento ao restante da população. E que não seja usada como caixa de emergência do governo, com uma captação capaz de combater a sonegação por parte das empresas, garantindo o futuro dos mais pobres e da classe média. E deixar a população escolher a melhor proposta nas eleições presidenciais do ano que vem.

Gastar dinheiro da população para convence-la de que um projeto que pode impactar negativamente sua vida e está prestes a ser adotado sem que seja convidada a dar sua opinião não é democrático. Dessa forma, o lobo quer que os cordeiros acreditem que comê-lo é um favor que ele lhes faz.

Post atualizado às 19h40, do dia 30/11/2017,  para inclusão de informação sobre a suspensão da campanha.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.