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Leonardo Sakamoto

Selfie de policiais com Rogério 157: Quem é o "troféu" de quem nesta foto?

Leonardo Sakamoto

06/12/2017 17h13

Qual a diferença entre policiais e bandidos?

Se você respondeu que uns são bons e outros são maus, parabéns, já deve ter terminado seu lanchinho e deve estar pronto para a naninha. Então, pode sair e deixar a conversa para outras pessoas, ok?

A questão não é entre bem e mal (o que está cada vez mais difícil de definir, aliás), mas garantir o cumprimento da lei através de formas que a lei previamente permite. Lei, aquele conjunto de regras que nós criamos e aperfeiçoamos ao longo dos tempos para evitar que nos devoremos uns aos outros ao viver em sociedade.

É função de policiais zelar pela coisa pública e garantir que quem estiver em desacordo com a lei, principalmente em casos de violência, seja investigado e, quando necessário, detido para que cesse o mal que está fazendo aos outros e à comunidade, e levado a julgamento. Punição não está no rol de atividades que lhes são permitidas.

Nesse processo, policiais devem garantir que o tratamento dado ao infrator seja firme, mas de respeito, independentemente dele ser um ex-governador do Estado envolvido em corrupção, um presidente de Assembleia Legislativa pego em negociatas com empresas de ônibus ou uma liderança do tráfico de drogas.

A partir do momento em que qualquer pessoa estiver sob custódia do Estado, o poder público é responsável pela garantia de sua integridade. Ela não deve sofrer violência física ou psicológica, ser alvo de humilhação, passar por tortura ou qualquer outra situação aviltante. Por pior ser humano que seja, por mais dor que tenha causado.

Porque essa é a diferença entre bandidos e policiais. Bandidos não seguem regras no exercício de suas atividades, mas policiais devem segui-las sob o risco de se tornarem aquilo que querem combater.

Ver um capturado Rogério 157 aparecer como "troféu" de policiais em êxtase envolvidos na operação remete às lembranças de transformação de seres humanos em souvenirs de caça ou objetos de diversão. Apesar de estar longe de ser a mesma situação, tem o mesmo DNA das fotos tiradas pelos soldados norte-americanos com presos iraquianos no complexo penitenciário de Abu Ghraib, por exemplo. E, com isso, ajuda a reduzir o mérito da ação policial.

Além disso, a polêmica selfie tirada por policiais civis após prender Rogério 157, apontado como o líder do tráfico de drogas na Rocinha, dificilmente se repetiria com o ex-governador Sérgio Cabral ou com o presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani. Apesar de ambos terem causado mais mal à população carioca que Rogério 157 e a prisão dos dois ter sido mais aguardada que a de um chefe do tráfico.

Afinal, negro e pobre entra na cadeia todo o dia – o sistema de Justiça brasileiro é feito com esse objetivo. Branco e rico que é a surpresa.

Mas olhe novamente a foto. Perceba que há dois "troféus nela.

Pois os policiais tornaram eles próprios, com seu ato, um troféu de Rogério 157, glamourizado pela selfie, transformado por eles em celebridade. O que apenas reforça o poder do traficante junto a seus subordinados ou à população.

Quando policiais e bandidos tornam-se troféus uns dos outros, um Estado precisa de uma DR, depois zerar e começar de novo. Porque algo deu muito, mas muito errado.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.