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Leonardo Sakamoto

Prova de que Temer não está saudável é ele nos ameaçar com sua reeleição

Leonardo Sakamoto

20/12/2017 21h20

Temer recebe passe de na convenção do PMDB. Foto: Igo Estrela/PMDB Nacional

Insensível ao fato da população já ter problemas demais, Michel Temer fez uma ameaça velada à sociedade brasileira ao dizer que não descarta tentar a reeleição no ano que vem.

"Poder ser [candidato], é claro que eu poderia, mas não é o meu desejo. Mas em política as coisas vão acontecendo, não adianta você programar isso ou aquilo. Então realmente deixo as coisas acontecerem", afirmou em entrevista à rádio BandNews nesta quarta (20). Também afirmou que está "sem nenhum problema de saúde" e "saudável".

Independentemente de discordar da gestão, das ideias, da ética e dos métodos, não desejo mal nem a ele, nem a ninguém. Contudo, fica difícil acreditar que Temer está completamente são ao tratar de sua reeleição como algo real. Não é questão de tentar se mostrar como um ator político com força para eleger ou ser eleito em 2018. Isso é alucinação. Quando ela brota do uso de psicoativos, tudo bem quando é recreativo, religioso ou terapêutico. Mas se é espontânea, como parece ter sido, melhor procurar um médico.

Outro sintoma é a amnésia, que pode ser provada pela frase "deixo as coisas acontecerem". Desde quando?

Se ele fosse alguém desapegado, que realmente deixasse as coisas acontecer, não teria conspirado abertamente contra sua sucessora, prometendo mundos e fundos à classe política e ao poder econômico, de olho no cargo.

Não importa se você achava que Dilma deveria ou não sair ou se era boa presidente ou não. Há de convir que Temer não fez como Itamar Franco, que aguardou em silêncio enquanto Fernando Collor sofria seu impeachment. Ele foi com sede ao pote, passando por cima da democracia.

E se deixasse as coisas acontecerem, como diz, teria permitido a Câmara dos Deputados analisar por conta própria a admissibilidade das duas denúncias criminais apresentadas pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal contra ele.

Ao invés disso, liberou emendas, distribuiu cargos, apoiou a aprovação de leis, publicou portarias, perdoou dívidas, tudo para favorecer os parlamentares e seus patrocinadores. Transformou a relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional em um mercado a céu aberto a fim de salvar seu pescoço da guilhotina da Lava Jato.

Mas, pessoalmente, torço para que ele concorra.

Assim, podemos fazer um debate público sobre os impactos das reformas aprovadas durante seu governo – que retiraram direitos dos trabalhadores para manter os lucros de ricos acionistas de grandes empresas. Será uma boa forma dele sentir como a população avalia o seu "legado". Toda essa exposição fará com que qualquer candidatura que ouse empunhar as mesmas bandeiras que ele seja rechaçada pelos eleitores.

Vai, Temer, concorra. Dê ao menos esse gostinho para o povão.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.