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Leonardo Sakamoto

Governo Temer recebeu uma ajudinha externa na chantagem pela Previdência

Leonardo Sakamoto

11/01/2018 22h51

Foto: Getty Images

Cansado de ameaçar sozinho a população brasileira pela aprovação da Reforma da Previdência, o governo chamou um "amigo que mora na rua de cima" para fazer bullying junto com ele.

Confesso que ri alto quando li uma declaração de Moreira Franco, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República – que, aliás, estaria sendo julgado por obstrução de Justiça e participação em organização criminosa ao invés de estar escondido atrás de um foro privilegiado. Se vivéssemos em uma democracia, claro. Ele afirmou que o rebaixamento da nota de crédito da dívida brasileira pela agência de avaliação de risco Standard & Poor's, nesta quinta (11), é "um alerta sobre as consequências econômicas e sociais que a não aprovação da [Reforma da] Previdência trará".

A agência elencou entre as justificativas a insegurança com a eleição presidencial e o "fraco apoio da classe política" para a aprovação de leis, como a mudança na regra das aposentadorias.

Vale sempre lembrar que a Standard & Poor's foi aquela acusada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos de ter mascarado o risco dos investimentos que foram os vilões da crise financeira global de 2008. Em um acordo, aceitou pagar quase 1,4 bilhão de dólares. Isso reacendeu o debate sobre a credibilidade e os interesses dessas empresas – cujas avaliações são importantes para investidores.

Considerando o peso dessas agências, uma avaliação como a de hoje certamente seria usada pelo governo internamente para pressionar o país pela aprovação da reforma. Pela declaração do ministro, efetivamente foi.

Com isso, o maior legado político do governo Temer continua sendo a chantagem como instrumento de negociação. A cada dia, um método novo para a gente aprender.

Em dezembro passado, o ministro Carlos Marun, responsável pela articulação do governo com o Congresso Nacional, admitiu que o Palácio do Planalto estava condicionando a liberação de financiamentos da Caixa Econômica Federal a Estados à pressão de governadores sobre deputados federais para que aprovassem a Reforma da Previdência.

"Financiamentos da Caixa Econômica Federal são ações de governo, o governador poderia tomar esse financiamento no Bradesco, não sei aonde. Obviamente, se são na Caixa, no Banco do Brasil ou no BNDES são ações de governo. Nesse sentido, entendemos que deve sim ser discutido com esses governantes alguma reciprocidade no sentido de que seja aprovada a reforma da Previdência, que é uma questão que entendemos hoje de vida ou morte para o Brasil", disse Marun, que nem corou as bochechas ao tentar convencer que isso não era chantagem.

Pouco tempo depois, com a repercussão negativa, desdisse o que havia dito. Mas taí a fala dele, interpretem como quiserem.

De campanhas na TV com ameaças explícitas, passando por declarações de sua cúpula de que as próximas gerações vão ranger os dentes e que não haverá recursos para as pensões ou de aliados afirmando que o país mergulhará num inferno sombrio de dor, o governo federal tem usado da chantagem para passar à força uma polêmica Reforma da Previdência que não estava em nenhum programa eleito pelo voto popular. E que é questionada pela maioria da população, de acordo com pesquisas de opinião.

Abaixo, uma coleção de chantagens reunida por este blog:

"Já chegou no osso." O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, usou essa expressão para dizer que, em sua opinião, não é possível mais alterar a proposta de Reforma da Previdência. Em entrevista à Folha de S.Paulo, em novembro, também disse que "o governo cumpriu seu papel quando aceitou fazer flexibilizações, agora é hora do Congresso votar".

"Eu digo que o Congresso é soberano. No entanto, estamos dialogando e fornecendo cálculos. Não é uma questão de opinião política ou desejo. É uma necessidade matemática, fiscal", afirmou, também em novembro, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles.

"A gravidade da situação é essa: estamos prestes a não poder pagar a Previdência." A frase é de Dyogo Oliveira, ministro do Planejamento, em evento, no dia 11 de setembro, em São Paulo. "Não há possibilidade de estabelecer equilíbrio fiscal sem a Reforma da Previdência."

"Se não se fizer essa reforma agora, daqui a três anos teremos que fazer, senão daqui a sete paralisamos o país", afirmou, em março do ano passado, Michel Temer durante uma conferência empresarial de São Paulo, segundo a conta de Twitter do Palácio do Planalto.

E, em junho de 2016, Temer afirmou que "ou a Previdência Social tem de ser reformulada ou então todos os pensionistas sofrerão".

"Se a Reforma da Previdência não sair: Tchau, Bolsa Família; adeus, FIES; Sem Novas Estradas; Acabam os Programas Sociais", diz uma ilustração que tem, no fundo, uma imagem de cidade em ruínas – parte de uma peça de propaganda veiculada pelo MDB, partido do governo, nas redes sociais em 2017.

Como já defendi mais de uma vez neste espaço, a beleza de uma democracia é que, nela, os caminhos deveriam ser discutidos abertamente e as decisões tomadas coletivamente. A Presidência da República deveria convocar um grande debate nacional sobre o tema, buscando ouvir diferentes pontos de vista para desenhar uma Previdência que não mantenha distorções e nem beneficie apenas alguns grupos em detrimento ao restante da população. E proteja os mais vulneráveis e quem ganha menos. Ao final, que as propostas sejam discutidas e escolhidas nas eleições de outubro.

O problema é que governo federal e o Congresso Nacional já romperam todas as ligações possíveis com a vontade da maioria de seus eleitores. Representam a si mesmos (afinal, a maior bancada é dos deputados-empresários), seus patrocinadores e investidores internacionais. Além das forças políticas que prometeram salvá-los da guilhotina das punições por corrupção.

Talvez a melhor solução seja mesmo, como disse o saudoso Raul Seixas, alugar o Brasil.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.