Deputado com medo de votar Previdência é sinal de que democracia não morreu
O relator da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, Arthur Maia (PPS-BA), afirmou, nesta terça (6), em entrevista à rádio Eldorado, que os parlamentares que não aderiram à proposta estão "se lixando para o país".
Creio que vale um desconto pela arrogância da declaração do nobre deputado. É natural que ele esteja irritado por conta da dificuldade em obter apoio ao projeto que relata.
Primeiro, há dezenas de deputados federais que simplesmente acreditam que a atual versão da proposta é ruim. Isso não significa que estejam se lixando para o país, pelo contrário.
Há também dezenas de outros deputados que votariam ao seu lado, mas não querem ser vinculados a uma reforma impopular em ano de reeleição. Ele chama isso de populismo. Eu diria que esse medo é uma saudável manifestação democrática – afinal, o correto é que representantes políticos sintam medo do povo e não o contrário.
Uma parcela considerável da sociedade discordava da proposta original da Reforma da Previdência, que atingia em cheio a classe média baixa, impondo pesados sacrifícios, como a contribuição mínima obrigatória de 25 anos. Devido à saraivada de críticas que o projeto recebeu, o governo aceitou desidrata-lo. Mas a falta de um debate público honesto, a persistência de buracos na proposta atual e as declarações de membros do próprio governo sobre a necessidade de "ajustes" posteriores à reforma fazem com que a desconfiança continue.
A campanha publicitária levada a cabo pelo governo federal, que afirmou que a reforma iria apenas limar privilégios das categorias de funcionários públicos melhor remunerados, se, por um lado, reduziu a antipatia à ideia, por outro, não convenceu dezenas de milhões de pessoas que seguem insatisfeitas por não terem tido a oportunidade de discutir a questão. Ou de serem consultadas a respeito.
Pois isso não estava relacionado no plano de governo da candidata Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, em 2014. Não que o país não esteja acostumado a um bom estelionato eleitoral, mas sempre há uma gota d'água – que parece ser a Previdência.
Sem contar que o mesmo governo que falou de privilégios em aposentadorias, escondeu-se embaixo das cobertas e não propôs nenhuma medida para aumentar os impostos dos mega-ricos, que ganham centenas de milhares a milhões de reais por mês, mas seguem pagando menos imposto proporcionalmente que a classe média.
Como qualquer outra peça publicitária, o objetivo da campanha governamental sido o de vender uma ideia e não abrir o debate para uma construção coletiva.
A Constituição Federal de 1988 afirmou que o país deve defender a liberdade de mercado, mas também garantir condições de bem-estar social à população. A Reforma da Previdência não diz respeito a um ajuste nas aposentadorias, mas trata do Estado que queremos ter e quais são suas prioridades. Decisão grande demais para ser tomada por um Poder Executivo que não conta com legitimidade para tanto e um Poder Legislativo que não tem credibilidade para isso.
Faria por bem o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto permitir que os candidato à Presidência da República debatam o tema em suas campanhas a partir de agosto. E que vença o modelo de aposentadoria com o qual o país optar nas urnas. A sociedade brasileira deve arcar com as consequências das decisões que tomar, para bem e para mal. Já chega de políticos que consideram o povo incapaz de tomar decisões para sua própria vida e, consequentemente, acham válido tutelá-lo.
Esses políticos não conseguem perceber que tratam como equivocado qualquer interpretação de mundo diferente da sua e, como manipulação, as ideologias diferentes daquela que eles abraçam – apesar de acreditar que não abraçam nenhuma. Como disse Paulo Freire, todos têm ideologia. A diferença reside no fato de uma ideologia ser includente ou excludente.
Ao invés de insistir em fazer uma guerra de chantagens e no terrorismo de Estado para criar medo e, a partir daí, forçar mudanças, melhor faria o governo e sua base de apoio se abrissem uma discussão ampla e pública sobre o tema. Daí, o próximo presidente, com a legitimidade das urnas, levará a cabo o projeto de país que a população escolher.
Tristes tempos estes em que temos que implorar por democracia.
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