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Leonardo Sakamoto

Pezão diz que errou na segurança do Carnaval. Mas seus erros custam vidas

Leonardo Sakamoto

14/02/2018 16h08

O governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão. Foto: Ailton Freitas/Extra

Luiz Fernando Pezão provou mais uma vez que é um ex-governador em exercício, mostrando que desconhece a realidade. Arrastando-se em direção ao final do seu mandato, torce para o ano não durar mais que o de costume. Em entrevista à TV Globo, ele admitiu que o poder público falhou no planejamento da segurança no Carnaval do Rio de Janeiro – que enfrentou arrastões e assaltos violentos nos últimos dias.

"Não estávamos preparados. Houve uma falha nos dois primeiros dias e depois a gente reforçou aquele policiamento. Mas eu acho que houve um erro nosso. Não dimensionamos isso, mas eu acho que é sempre um aprimoramento, a gente tem sempre que aprimorar", disse.

Comovido por esse momento sincero, passo a acreditar que a população está sendo muito dura com ele. Afinal de contas, o Carnaval carioca é um evento recente e que não costuma se repetir todos os anos, não é mesmo? Além disso, concordo com o governo sobre a dificuldade de monitorar a orla. Até porque o litoral é outra novidade na cidade, implantado após licitação vencida por um consórcio liderado pela Odebrecht. Então, leva tempo para entender que troço é esse de praia a fim de dar uma resposta decente.

Em meio à zorra na segurança pública, Pezão se refugiou no interior do Estado e deixou o cada um por si e Deus por todos. E, sobre isso, não dá para reclamar ao bispo porque, nem bem a folia começou e o próprio fugiu para a Europa. O prefeito Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Igreja Universal, arranjou uma visita importantíssima (sqn) para conhecer experiências na Alemanha, Áustria e Suécia. A força policial é competência estadual, mas um município ignorar ações que poderiam ser tomadas por ele a fim de mitigar o caos é desprezo social.

O que os gestores do Rio querem dizer com esse comportamento? Crivella parece aceitar que não controle uma cidade que garanta dignidade a seus moradores desde que consiga impor uma agenda de fundamentalismo religioso. Ao mesmo tempo, Pezão não detém o controle de parte da segurança no Estado e parece não se importar. Nesses lugares, o poder decisório sobre quem vive e quem morre está nas mãos de um naco de policiais corruptos e milicianos e dos traficantes.

No Rio, a corrupção estrutural, que organiza a política, influencia a polícia, que não é um corpo diferente do restante do Estado. Considerando que o verdadeiro crime organizado atingiu o poder no Estado via (P)MDB – sendo mais danoso que o próprio tráfico de drogas – não é de se estranhar que comportamentos criminosos tenham se espalhado pela corporação, colocando em risco, inclusive, a maioria de bons policiais.

A função de Luiz Fernando Pezão deveria ser prever aquilo que o cidadão comum pode vir a enfrentar, inclusive ataques criminosos mais amplos do que os que costume dada a situação da segurança pública. E ele tem informação privilegiada para tanto.

Mas parece que o governador perdeu não só a credibilidade e a legitimidade para governar o Rio, mas também a capacidade. O Estado segue em situação de falência após a orgia com recursos públicos promovida pelos governos de seu partido. Os cofres estão vazios e, nesse contexto, não tem sido possível garantir a segurança da população e a vida dos moradores de comunidades pobres. Pois, por um lado, a criminalidade aumentou durante a crise e não há recursos para combatê-la, por outro, o pouco dinheiro na praça diminuiu o montante a ser repartido entre bandidos e corruptos.

Vale ressaltar, contudo, que o medo que moradores e turistas de regiões mais ricas do Rio sentiram nesse Carnaval não chega nem aos pés da tragédia cotidiana na periferia e nos morros da cidade. Lá ocorre um genocídio de jovens negros e pobres, em batalhas nos quais as baixas – sejam de moradores, traficantes ou policiais – pouco importam para uma parte dos mais ricos. Se a maioria dos mortos continuarem sendo apenas de grupos "descartáveis", das franjas da sociedade, tudo bem para muitos dos autointitulados "homens e mulheres de bem". Basta que a tristeza fique contida longe e não escorra para as praias ou os lugares onde a alegria tem o direito de ser livre.

Pezão não tem o direito de errar quando o assunto é a integridade das vidas, pobre e ricas, sob sua responsabilidade. Pois, cada erro pode representar mais de um assassinato. E isso não é um videogame em que basta apertar o botão para recomeçar.

Afinal, se fosse fácil assim, a população, mesmo anestesiada diante da falta de perspectivas, já teria dado game over para o governo dele e começado novamente.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.