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Leonardo Sakamoto

Não só Maluf: Preso pobre em estado grave também deveria se tratar em casa

Leonardo Sakamoto

29/03/2018 09h56

Foto: Leonardo Benassatto/Reuters

Condenado por lavagem de dinheiro, o deputado federal Paulo Maluf obteve do ministro José Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, a autorização para cumprir prisão domiciliar, nesta quarta (28). Ele, que havia sido internado, às pressas, na noite anterior, por conta de fortes dores na coluna, estava preso desde dezembro no Presídio da Papuda, em Brasília. Aos 86 anos, aguardará em casa a análise da decisão pelo pleno do STF, o que pode servir de referência a outros casos semelhantes.

Um dia antes, a 2ª Turma do Supremo autorizou que Jorge Picciani, presidente afastado da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, cumpra prisão domiciliar por seu quadro de saúde. Ele estava preso de forma preventiva desde novembro em meio à investigação sobre sua participação em um esquema de corrupção envolvendo a máfia dos ônibus no Rio de Janeiro. Picciani, de 63 anos, enfrentava problemas em decorrência da retirada da bexiga e da próstata por conta de um tumor maligno no ano passado.

O STF acertou em autorizar a prisão domiciliar em ambos os casos. A Justiça não deve ser usado para tortura de presos, o que inclui a imposição de dor e sofrimento diante da negação a um tratamento adequado de saúde – coisa que nem sempre o sistema prisional pode oferecer.

Aliás, a incapacidade de parte do país de perceber que os presídios se transformaram em câmaras de suplícios medievais vem ajudando a fortalecer e aumentar as facções criminosas que protegem os seus membros dentro e fora daquelas paredes.

Uma parcela dos cidadãos deixou de acreditar nas instituições e no correto funcionamento do Estado e, na impossibilidade de ver Justiça sendo feita, aceita vingança. Como o sofrimento de quem está preso, qualquer preso. Mas uma coisa é o Estado punir quem fez outras pessoas sofrerem. Outra, é torturar.

Só acredito na existência de inferno porque existem as cadeias brasileiras. A violência física dentro do sistema penitenciário não é a principal responsável pelas mortes dos detentos, apesar da sensação que as cenas violentas de rebeliões podem transmitir. A maior parte das mortes, de acordo pelo próprio Ministério da Justiça, são provocadas por doenças como tuberculose, sífilis, hanseníase, leptospirose, HIV/Aids e infecções de pele, como a sarna. Ou seja, a violência que mata é o descaso.

No Rio, 517 presos morreram em decorrência de doenças entre janeiro de 2015 e o início de agosto do ano passado. Enquanto isso, 37 foram assassinados em suas celas. Em São Paulo, foram 443, entre 2015 e 2016. Números trazidos por reportagem de Flávio Costa e Paula Bianchi, do UOL, sobre o tema mostram que a população encarcerada tem 28 vezes mais chance de contrair tuberculose e a taxa de prevalência de HIV/Aids é de 1,3% dos presos – três vezes mais do que no restante da sociedade.

Isso não é exatamente novidade e relatórios listando os problemas acumulam-se nas salas de membros dos Três Poderes responsáveis por resolver o caos. Não há plano de prevenção, medicamentos, o esgoto corre nas celas à céu aberto, ratos roem a carne e urinam e defecam nas pessoas, baratas passeiam por todos os cantos, comida apodrece sendo maternidade de microorganismos. Isso multiplicado pela superlotação.

O problema do pensamento raso que defende que a penitenciária deve ser uma masmorra é que esse caldeirão de doenças e descaso torna-se ambiente propício para cozinhar o ódio contra o restante da sociedade. E, uma vez do lado de fora, qual a razão para respeitar regras em benefício da coletividade? Nenhuma.

O Código de Processo Penal, artigo 318, inciso II, prevê a possibilidade de substituição da prisão preventiva por domiciliar no caso da pessoa estar extremamente debilitada por motivo de doença grave. O que era o caso de Picciani. Mas decisões como a de Paulo Maluf, de presos condenados com decisão transitada em julgado, podem servir para avançarmos em autorizações como essas, de caráter humanitário.

Hoje, diante de defensorias subdimensionadas há um déficit no direito de defesa dos mais pobres. E quando eles conseguem, não raro os pedidos de tratamento domiciliar são negados por juízes, desembargadores e ministros. Mutirões carcerários do Conselhos Nacional de Justiça têm um papel importante na identificação e encaminhamento dos casos graves, mas precisamos de uma política que seja contínua.

Tendo em vista o número de mortos por doenças nas prisões, as condições precárias de vida, a falta de atendimento médico suficiente, qualquer pessoa condenada em estado grave deveria ter o direito de ir para casa se tratar. Ricos e pobres. Isso não significa indulto ou perdão e duraria o tempo do tratamento.

Até porque, o Brasil não prevê a pena de morte em tempos de paz. Pelo menos no papel.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.