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Leonardo Sakamoto

O STF, que pôs lenha na fogueira, agora pede "serenidade" à população

Leonardo Sakamoto

02/04/2018 18h56

Michel Temer deixa a casa de Cármen Lúcia, após encontro. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A presidente do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia pediu serenidade em pronunciamento, que vai ao ar pela TV Justiça, na noite desta segunda (2). No texto, divulgado com antecedência, afirmou que vivemos "tempos de intolerância e de intransigência contra pessoas e instituições".

Apesar de acertar no tema, a ministra erra no timing e no conteúdo. É fato que as pessoas não podem partir para a violência até o julgamento do habeas corpus pedido pelo ex-presidente Lula no STF. E, principalmente, depois dele – independentemente do resultado. Mas, divulgada a dois dias da corte debater o caso, sua fala parece fora de lugar. Até porque, até agora, a própria ministra tem ajudado a alimentar as chamas do incêndio.

A polêmica sobre a possibilidade de execução provisória da pena após condenação em segunda instância (permitida por decisão do Supremo, em fevereiro de 2016, mas que vem sendo questionada por uma nova maioria de ministros) não era para ser contaminada pelo julgamento de Lula. A discussão poderia ter sido trazida ao plenário antes e só não ocorreu porque a presidente da corte assim não quis, atendendo a pressões de setores da opinião pública e do Poder Judiciário.

Mesmo na última hora, a preferiu pautar o habeas corpus de Lula, que pede para não ser preso enquanto não houver decisão transitada em julgado em tribunal superior, ao invés de abrir o caso abrangente – que diz respeito não a uma pessoa, mas a todos os réus atuais e futuros. Talvez espere contar, dessa forma, com o voto da ministra Rosa Weber contra Lula – que tem decidido desde 2016 em desacordo com o que ela própria acredita (prisão apenas após trânsito em julgado), mas em consonância com a decisão da corte de 2016.

Cármen Lúcia afirmou que usar o caso de Lula para rediscutir a prisão em segunda instância seria "apequenar" o Supremo. Mas não seria necessário usar o caso de Lula. Bastaria que ela permitisse o debate em plenário no caso de repercussão geral antes que esse tumulto se formasse. A impossibilidade disso é que "apequenou" ainda mais o STF, acirrando as posições políticas e ajudando a criar o clima de guerra campal que se espera para estas terça e quarta.

Por outro lado, o conteúdo do discurso não foi bom. Óbvio que declarações de altas autoridades da República pedindo calma são necessários nesses tempos de hiperpolarização política e destruição das pontes de diálogo que ligam as diferentes ideologias que convivem em uma mesma sociedade. Mas o discurso da ministra, cheio de lugares comuns, poderia ter sido feito a qualquer momento e em qualquer lugar.

Ela deveria ter sido mais específica e rechaçado as ameaças contra o ministro Edson Facchin, relator da Lava Jato no STF, os tiros contra a caravana do ex-presidente Lula e, por que não, a execução de Marielle Franco. Talvez citado os assassinatos e agressões contra jornalistas em todo o país, que mostram que estamos matando nossa liberdade de expressão. Mas não fez. Tratou do tema de forma abstrata, como quem parece não querer se envolver muito. Soou como o texto de alguém que deseja se desvencilhar de qualquer responsabilidade futura pelo que aconteça.

Afinal, ela pediu paz, se os bárbaros não a ouviram e foram à guerra, ela avisou antes.

De tão genérico, o texto pode ganhar o sentido dado pelo grupo social que consumi-lo. Cada um pode achar que ela está se referindo apenas ao "outro lado". Afinal, nas redes sociais, o errado é sempre o outro.

Sinto informar que o Supremo Tribunal Federal, por sua ação e inação, por dar pesos diferentes a crimes semelhantes dependendo do réu, por se calar quando precisávamos que ele reafirmasse a Constituição Federal e por passar por cima da Constituição quando bem quis, também é responsável pelo esgarçamento institucional que vivemos. E, portanto, pelo clima de violência.

Discurso e prática deveriam ter sido outros há muito. Temo que, infelizmente, o tempo para prevenir passou e, agora, vai ser remediar o que for possível.

Em tempo: "Nesses dois anos de governo, não foram poucos os embaraços e oposições que nós sofremos. Até gente disposta a desestabilizar o país com gestos extremamente irresponsáveis, que têm naturalmente repercussão internacional", declarou o Michel Temer, durante o Fórum Econômico Brasil-Países Árabes, nesta segunda (2). Adoro autocríticas.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.