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Leonardo Sakamoto

Lula pode apontar Guilherme Boulos como seu herdeiro político?

Leonardo Sakamoto

10/04/2018 14h39

Lula e Boulos na Ocupação Povo Sem Medo, do MTST, em São Bernardo. Foto: Ricardo Stuckert

O PT reafirmou que mantém Lula, mesmo preso, como seu nome à Presidência da República, como este blog adiantou durante o julgamento que negou o habeas corpus ao ex-presidente no Supremo Tribunal Federal. Pelo menos, por enquanto.

Pela lei, o partido pode inscrever sua candidatura, mas não significa que os votos dados a ele, no dia 7 de outubro, seriam computados como válidos uma vez que o Tribunal Superior Eleitoral – a menos que ocorra um milagre – deve confirmar sua inegibilidade. O PT pode trocar os nomes na chapa até 17 de setembro – data limite para inserção de informações nas urnas eletrônicas.

Mesmo que ele siga candidato, a bolsa de apostas para uma substituição aos 45 minutos do segundo tempo gira em torno do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e do ex-governador da Bahia, Jaques Wagner.

Ao mesmo tempo, cresce a percepção junto a fontes ouvidas no PT e em movimentos sociais que Lula pode estar escolhendo seu "herdeiro político": o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Guilherme Boulos.

Há uma relação afetiva envolvida. Apesar de Boulos contestar a política de conciliação lulista, o espectro de alianças firmadas e o modelo de desenvolvimento adotado nos governos do PT (no qual a renda do trabalho avançou muito menos que a renda do capital), ele é de uma geração que cresceu tendo o ex-presidente como a principal liderança social do país e teve nele uma de suas principais referências. Por conta disso e da relação que estabeleceram, Boulos tem sido mais atuante na defesa dos direitos políticos e da liberdade do petista do que muitas pessoas do próprio PT.

A mudança de discurso de Lula – acuado pelos desdobramentos da Lava Jato – encontra eco em outro Lula, das décadas de 70 e 80, que certamente criticaria muitas das opções que ele fez quando presidente. É compreensível, portanto, que veja a si mesmo em Boulos – não o político de agora, mas a liderança sindical que foi há 40 anos.

Lurian Silva, filha do ex-presidente, em discurso em evento do MTST em São Bernardo do Campo, no domingo (8), com a presença de outros filhos de Lula, disse sobre Boulos: "Ele tem sido incansável, um irmão nosso. Ele tem sido um filho para o nosso pai. A dor dele é a nossa dor, a luta dele é a nossa luta".

Nos discursos de políticos próximos a Lula em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, desde a noite de quinta (5) até a tarde de sábado (7), foram frequentes os agradecimentos ao MTST e a Boulos. Não foi a primeira vez que o movimento engrossou as fileiras em defesa do ex-presidente. Neste ato, caso seus militantes não tivessem atendido ao chamado de sua principal liderança e ido aos milhares, as imagens que ajudaram o ex-presidente a construir uma narrativa alternativa à oferecida pelo juiz federal Sérgio Moro à sua prisão simplesmente não existiriam.

O senador Lindberg Farias, por exemplo, exaltou Guilherme Boulos, afirmando que era em horas como aquela é  que eles constatavam quem eram os aliados com os quais podiam contar. O que não é apenas um elogio, mas também uma estocada aos ausentes. No momento de seus derradeiro discurso antes da prisão, o próprio ex-presidente ungiu uma nova geração de lideranças à esquerda, representada no palco por Guilherme Boulos e pela deputada Manuela D'Ávila – o que deve ser visto como parte de seu desejo de influenciar a "passagem de bastão". Quem assistiu à sua fala, percebeu a nítida diferença de atenção para com coordenador do MTST.

E, como dito acima, comparou-se a ele: "Boulos tem 35 anos. Eu tinha 33 quando fiz minha primeira greve. Você tem futuro, meu irmão".  Isso não passou despercebido por outros colegas jornalistas, que também cobriram o ato, e por políticos que nele se encontravam. E incomodou aliados.

Mas não é apenas a questão histórico-afetiva. O que está em jogo também é o futuro de Lula como referência para seu partido e a esquerda. Caso mantenha sua candidatura até o limite, abençoe alguém de seu partido e não ocorra a esperada transferência de votos, sua influência pode ser posta em xeque.

Há quem defenda que apoiar um nome externo (de outro partido), em caso de impedimento, pode tirar dele a carga de responsabilidade de ter que colocar alguém no segundo turno. O que seria uma saída melhor do que forçar seu nome na urna mesmo com a quase certeza de invalidação dos votos ou de um saída extrema, como o boicote às eleições.

Antes de afirmar que Lula poderia vir a apoiar um nome como Boulos no primeiro turno das eleições, é preciso analisar a situação do PT. Se o partido busca palanques fortes de candidaturas ao Executivo nessas eleições para não reduzir seu tamanho no Congresso Nacional e nas Assembleias. O partido que mais elegeu deputados em três das últimas quatro eleições (2002, 2010 e 2014) teme o impacto negativo do impeachment e das denúncias relacionadas à Operação Lava Jato. Apesar disso e da prisão de Lula, a legenda voltou a ser a maior da Câmara após a janela de "infidelidade partidária", com 58 deputados – contra 49 do MDB e 46 do PSDB. Mesmo assim, são dez a menos que o total de eleitos em 2014.

Como me explicou um cacique petista simpático a Boulos, a situação dos parlamentos é o grande porém. Afinal, todo grande partido tem uma máquina interna que precisa manter funcionando. E, para isso, não pode reduzir muito de tamanho.

O PT afirma que não há chance de acordo com outros partidos para o primeiro turno. Em se houvesse, dificilmente o partido aceitaria entregar a cabeça de chapa a Boulos, Manuela e a Ciro – este último sendo alvo do rancor eterno de muitos presentes por não ir a São Bernardo. O PSOL ainda tem a barreira de ser um partido que nasceu de uma dissidência do PT, nunca tendo poupado sua antiga casa de críticas. Por enquanto, portanto, Lula segue candidato e, depois dele, deve se seguir à fila interna de petistas.

Mas não podemos esquecer que Lula e o lulismo são maiores que o PT, principalmente entre as classes mais pobres beneficiadas com os programas sociais e a geração de empregos de seu governo. Ou seja, a depender do que aconteça de agora em diante com Lula preso, o lulismo e o petismo podem entrar em choque em algum momento. O que pode catalisar determinados processos.

Questionei o próprio Guilherme Boulos sobre essa possibilidade. Ele disse que isso não está em discussão porque defende que Lula seja candidato.

Particularmente, creio que permitir a candidatura de Lula é melhor para a democracia e para a estabilização do país do que seu impedimento em concorrer – apesar de reconhecer que ambas as situações vão testar os limites da vida civilizada. Diante do esgarçamento das instituições, seria por bem entregar ao povo a decisão do que acontecerá ao país nos próximos anos. Essa visão é compartilhada por muitos políticos e cientistas políticos, conservadores ou progressistas, que enxergam em sua aceitação ou rejeição pelas urnas a melhor saída para o reequilíbrio.

É cedo para definir qualquer mudança. Mas após ter conversado com lideranças partidárias e pessoas próximas a Lula nos últimos dias, a impressão é que um Lula apoiando Boulos, caso seja impedido concorrer, passou de "loucura" para "uma ainda difícil possibilidade".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.