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Leonardo Sakamoto

Exposição fotográfica retrata vida e morte de indígenas Guarani e Kaiowá

Leonardo Sakamoto

22/04/2018 12h37

A exposição "Mantenho o que disse", resultado de três anos de trabalho da fotógrafa brasileira Ana Mendes e do uruguaio Pablo Albarenga, retrata as condições em que vivem (e morrem) os Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Junto às 80 imagens, 15 frases de políticos brasileiros ditas em situações públicas, discursos e entrevistas mostram a ironia, o cinismo e a violência com os quais o país lida com a questão indígena. De acordo com os fotógrafos, o objetivo é fazer com que o público reflita sobre a situação dos povos tradicionais, não apenas sua luta pela sobrevivência, mas também seu direito a uma vida normal.

Cerca de 98% das terras indígenas brasileiras estão na região da Amazônia Legal. Elas reúnem metade dos povos indígenas. A outra metade está concentrada nos 2% restantes do país. Sem demérito para a justa luta dos indígenas do Norte, hoje, o maior problema se encontra no Centro-Sul, mais especificamente no Mato Grosso do Sul – que concentra a segunda maior população indígena do país, só perdendo para o Amazonas. Há anos, essa população aguarda a demarcação de mais de 600 mil hectares de terras no Estado, além de algumas dezenas de milhares de hectares que estão prontos para homologação ou emperrados por conta de ações na Justiça Federal por parte de fazendeiros.

Em 2013, 4,8% dos domicílios brasileiros com pessoas com menos de 18 anos se encontravam em insegurança alimentar grave. Enquanto isso, em três comunidades Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, avaliadas em uma pesquisa da Fian Brasil e do Conselho Indigenista Missionário, esse índice era de 28%. Em comum, todas eram palco de disputas por territórios tradicionais.

Ao longo do tempo, os Guaranis e os Kaiowá foram sendo empurrados para reservas minúsculas, enquanto fazendeiros, muitos dos quais ocupantes irregulares de terras, esparramaram-se confortavelmente pelo Estado. Incapazes de garantir qualidade de vida, o confinamento em favelas-reservas acaba por fomentar altos índices de suicídio e de desnutrição infantil, além de forçar a oferta de mão de obra barata. E isso quando esse "território" não se resume a barracas de lona montadas no acostamento de alguma rodovia com uma excelente vista para a terra que, por direito, seria deles. Em outras palavras, no Mato Grosso do Sul, a questão fundiária envolvendo comunidades indígenas provoca fome, suicídios e mortes.

A exposição, uma realização do Centro de Fotografia de Montevideo, está aberta ao público até 11 de junho na Fotogaleria Prado, na capital uruguaia. O fotógrafo João Roberto Ripper, cujas imagens estão sempre presentes neste blog, assina o texto de abertura da mostra.

Ana Mendes passou ao blog algumas imagens da exposição e frases, que compartilho com vocês. A frase não tem, necessariamente, relação com a imagem. Mas a frase tem, absurdamente, relação com a imagem.

"Se fardem de guerreiros e não deixem um vigarista destes dar um passo na tua propriedade, nenhum." (Alceu Moreira, deputado federal. Audiência Pública sobre demarcação de Terras Indígenas. Novembro de 2013)

Enterro do agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza, 23 anos, Reserva Te'ykue, Caarapó, MS. Foto: Ana Mendes

"O índio tem que vir para o lado do progresso, não podemos criar parques e zoológicos de índio." (Jair Bolsonaro, deputado federal. Em entrevista ao jornal Diário do Amazonas. Dezembro de 2015)

Dourados Amambai Pegua I, Terra Indígena dos Guarani e Kaiowá às vesperas da votação sobre o marco temporal. Foto: Ana Mendes

"Ali, estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo o que não presta, ali estão aninhados…" (Luiz Carlos Heinze, deputado federal. Audiência Pública sobre demarcação de Terras Indígenas. Novembro 2013.)

Kunumi Vera Poty faz parte de um conjunto de seis novas retomadas que ocorreram concomitantemente em junho de 2016. Os Guarani e Kaiowá exigem a demarcação da Terra Indígena Dourados Amambaipegua I – os territórios retomados estão previstos no laudo antropológico feito pela Funai e já publicado. Foto: Ana Mendes

"Os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção." (Kátia Abreu, ministra da Agricultura. Em entrevista ao Jornal Folha de S. Paulo. Janeiro de 2015)

O tekoha Tey'ijusu fica no município de Caarapó e faz parte da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I. Sob esta aldeia incide uma fazenda de milho e soja. Em 2014 os indígenas retomaram o local. Como reação, os fazendeiros lançaram sobre eles uma chuva de agrotóxico que foi disperso inclusive de avião por cima das barracas. Pessoas ficaram doentes, entre elas um bebê de 18 dias. Foto: Ana Mendes

"Veja, senhor presidente, quem são os latifundiários do Brasil." (Valdir Colatto, deputado federal. Comissão Parlamentar de Inquérito da Funai e do Incra. Fevereiro de 2017)

Depois do ataque conhecido como o massacre de Caarapó, onde Clodiodi Aquileu, um indígena de 23 anos perdeu a vida. Seus parentes coletaram vários cartuchos de balas. Foto: Pablo Albarenga

"Temos que produzir sustentabilidade, ensinar a pescar." (Antônio Fernandes Toninho Costa, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Em entrevista ao jornal Valor Econômico. Fevereiro de 2017)

Crianças indígenas brincam na lagoa Panambizinho, uma área indígena demarcada pelo governo em 2014, depois de mais de 40 anos de luta e resistência. Foto: Pablo Albarenga

"Óbvio que não foi índio que escreveu." (Mara Caseiro, deputada estadual. Tribuna da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul. Setembro de 2015)

A comunidade de Apy Ka'y acampa há mais de 15 anos em frente às suas terras ancestrais, onde os túmulos de seus parentes e ancestrais ainda permanecem. O fazendeiro colocou cercas de arame por todo o seu rancho para evitar o acesso dos índios kaiowá. Nos últimos quinze anos, o Apy Ka'y perdeu oito pessoas por causa desse conflito. Foto: Pablo Albarenga

"Vamos parar com essa discussão sobre terras. Terra enche barriga de alguém?" (Osmar Serraglio, ministro da Justiça. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Março de 2017)

Indígenas esperam em frente a uma fazenda assentada em suas terras ancestrais, vigiada pela Polícia Militar em Caarapó. Foto: Pablo Albarenga

 "Mantenho o que disse." (Luiz Carlos Heinze, deputado federal, em entrevista ao jornal Zero Hora. Fevereiro de 2014)

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.