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Leonardo Sakamoto

PT e PSDB viveram histórias de amor com Temer. Mas só um paga caro por isso

Leonardo Sakamoto

10/05/2018 12h54

Foto: Beto Barata/Presidência da República

Compreendo o desejo do ex-governador Geraldo Alckmin de manter uma distância de segurança de Michel Temer, que conta com popularidade semelhante à do barulho do motor da broca do dentista. Aquela mais fininha.

O problema é que agora é tarde para o seu partido fazer de conta que não tem nada a ver com a criança. Em uma analogia livre com o cinema, o Bebê de Rosemary não nasceu de geração espontânea, tem ritual, tem maldição. O conjunto de forças políticas e econômica que deram suporte à substituição de Dilma Rousseff para Michel Temer contavam com seus interesses e se articularam para tanto.

A agenda principal do PSDB nunca foi Temer, o homem, a bem da verdade. Mas os líderes do partido queriam aproveitar a janela de oportunidade a fim de aprovar as reformas liberalizantes – essas sim pautas tucanas. Aécio "Tem que ser um que a gente mata antes" Neves à frente – foi a parteira da criatura ao não reconhecer a derrota eleitoral de 2014 e a capitanear uma queda forçada do governo anterior. Cassar a chapa pelo uso de caixa 2 eleitoral teria sido menos forçado que pela emissão de créditos suplementares/pedaladas fiscais.

Como é mais fácil o cachorrinho-quase-afogado de Marcela Temer passar pelo buraco de uma agulha do que o eleitor votar em alguém em 2018 que prometesse o congelamento de investimentos em educação e saúde por 20 anos (PEC do Teto dos Gastos), a Reforma Trabalhista, a Lei da Terceirização Ampla e a não-aprovada Reforma da Previdência, Temer foi a pessoa certa na hora certa. Tanto que o PSDB participou ativamente do seu governo e apenas desembarcou por oportunismo quando o calendário eleitoral se aproximou.

O problema é que o emprego não decolou, pelo contrário, patina. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego ficou em 13,1% no primeiro trimestre deste ano. Maior que a do trimestre anterior (11,8%) e um pouco menor que aquela registrada no mesmo período do ano passado (13,3%). São 13,7 milhões de desempregados.

Se essa taxa estivesse na casa de um dígito e os empregos gerados fossem de qualidade (boa parte dos postos de trabalho criados no ano passado foram informais, ou seja, sem direitos trabalhistas), a desaprovação do governo Temer não estaria na marca dos 70% e, certamente, haveria menos temor em pegar sapinho ao aparecer em seu lado. Mas não é o caso e, ao que tudo indica, não vai ser. Parte da elite econômica não entende como o povão não está comemorando os indicadores. Se fizessem compras em um supermercado da periferia, iriam entender.

Como garantir a herança da família (MDB), ou seja, apoio de uma grande rede de prefeitos, tempo de rádio e de TV e uma máquina federal à seu dispor, sem precisar beijar o noivo/noiva (Temer) em público é uma mágica que o PSDB vai ter que resolver se quiser unificar a centro-direita.

Se a autocrítica do tucanato tivesse existido (coisa que se o PT também tivesse feito decentemente não estaria se aliando a Renan Calheiros), deveria ter incluído uma reflexão sobre a Nova República que ajudaram a construir. A quem o partido representa: a população em geral ou apenas algumas dezenas de milhares de ricos? Quem conferiu o mandato aos deputados e senadores: milhões de eleitores ou algumas centenas de doadores de campanha? O que Franco Montoro pensaria disso? Ou mesmo Mario Covas?

Invariavelmente, essa reflexão levaria não apenas à saída do governo, mas a um freio na discussão da Reforma da Previdência – que não conta com apoio da esmagadora maioria da sociedade pelo que pode ser visto por diferentes pesquisas de opinião. Há parlamentares no PSDB com esse entendimento, defendendo, por exemplo, uma Reforma Tributária com Justiça Social, uma discussão mais aprofundada sobre o INSS e a previdência pública antes de implantar um novo modelo e um retorno à social-democracia do partido. Foram tratorados pela ala empresarial do partido e pelo pensamento conservador autodenominado "novo".

O ex-prefeito de São Paulo João Doria, aliás, tem discursado abertamente em apoio ao governo Temer. Está à espera, aguardando que seu padrinho não decole para se colocar à disposição de uma candidatura presidencial, com o apoio do MDB, do DEM e de um terceiro continente à sua escolha.

Se tivesse apreço à sua dignidade, Temer teria afirmado, ainda no ano passado, como comentei neste blog, que um desembarque do PSDB levaria ao congelamento das reformas. Aliás, se tivesse amor à sua biografia deveria ter renunciado e articulado eleições diretas para a sua vaga. Mas isso é outra história, porque a questão agora – depois de que o país ouviu os Joesley Hits – é a de garantir sua própria liberdade e a de seu grupo político. Pelo menos os que ainda não estão presos e nem aqueles com 51 milhões de razões para serem condenados.

O PT, de certa forma, pagou o preço de ter colocado Michel Temer em nossas vidas com a conspiração a céu aberto realizada pelo então vice visando ao impeachment. A pergunta é se o PSDB vai arcar com as consequências de uma intensa parceria para aprovação de reformas, talvez do ponto de vista eleitoral.

Há um ano, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi bem claro: "Se o PSDB deixar hoje a base vai ficar muito difícil de o PMDB apoiá-los nas eleições de 2018. Política é feita de reciprocidade".

Político também engole muito sapo. Mas traição é especialmente indigesta.

Em tempo: Como já disse aqui, não se nega a importância de mudar as leis trabalhistas para adaptar o país às novas necessidades da relação capital-trabalho, tampouco de adotar novas regras para o INSS e para previdência pública de forma a garantir estabilidade futura ao sistema. O problema é que isso foi feito sem a devida discussão, a ponto do Senado ter aberto mão de seu papel de casa revisora e deixado a Reforma Trabalhista passar sem alterações sob me-engana-que-eu-gosto de uma Medida Provisória que corrigiria alguns pontos. Seis meses depois, a MP caducou e ficou por isso mesmo.

 

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.