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Leonardo Sakamoto

Você será um eleitor-cobaia manipulado pelos grupos de WhatsApp?

Leonardo Sakamoto

04/06/2018 05h00

Manifestantes fazem protesto em apoio a caminhoneiros e pedem intervenção militar em Brasília. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Um naco significativo da sociedade brasileira está ultrapolarizado, achando que verdade é só aquilo em que já acredita. Boa parte da população se informa através de mensagens trocadas por um aplicativo que opera sem transparência alguma, preferindo acreditar em boatos compartilhados pela família do que em fatos comprovados em matérias. A capacidade de interpretar conteúdos recebidos por terceiros é baixíssima, seja por deficiência na educação formal, seja pela falta de alfabetização para a mídia. As pessoas não se veem como responsáveis por aquilo que circulam, pelo contrário, quanto mais polêmica e sensacionalismo, melhor. Outros, conscientes, ao se depararem com conteúdo falso, ficam em silêncio desalentado, acreditando que corrigir é inútil.

O pânico, a paranoia e a desinformação distribuídos pelas mensagens compartilhadas durante a greve dos caminhoneiros foram apenas uma pequena amostra do que nos espera na campanha eleitoral deste ano. Aliás, parabéns a quem compartilhou áudios de falsos militares afirmando que haveria um golpe iminente. Você ajudou a piorar o país. Se bem que quem repassa algo assim, é incapaz de entender o que acontece à sua volta, não se importa com as consequências ou tem falhas graves na interpretação de texto a ponto de achar que realmente eu acabo de lhe dar parabéns.

A quatro meses das eleições, é possível afirmar que o WhatsApp será usado para manipular, de forma contundente, os resultados pela circulação de desinformação. Tudo na penumbra, pois se – por um lado – o Facebook prometeu mudar suas políticas e não permitir que conteúdo seja distribuído apenas a grupos específicos, no WhatsApp isso não deve acontecer.

Enquanto isso, partes da política e da Justiça estão propondo ideias esdrúxulas, como a criação de perigosas leis para punir "notícias falsas" que, na verdade, dão ao Estado o poder de decidir o que é verdade e o que é mentira. Ou de criminalizar qualquer reportagem ou opinião que desagrade os donos do poder.

É claro que prefiro o aplicativo em funcionamento – seria idiota defender o contrário. Bloquear o WhatsApp é equivalente a suspender uma camada de interação social. Afinal, não foi o WhatsApp o responsável por protestos no Cairo, em Istambul, em Madrid ou a greve dos caminhoneiros, mas ele catalisa processos através da otimização do tempo e do encurtamento de distâncias e o que levava semanas agora ocorre em minutos.

Muitos governantes, parlamentares e magistrados têm dificuldade em assimilar como isso funciona. Acreditam que é apenas um canal para fluir informação ou que redes sociais funcionam como entidades em si e não como plataformas de construção política onde vozes dissonantes ganham escala, pois não são mediadas pelos veículos tradicionais.

Se o debate público fosse mais qualificado, a pessoa se sentiria motivada a ler mais até para não ser humilhada coletivamente nas redes e aplicativos ao expor argumentos ruins, preconceituosos e superficiais. Ou para responder groselha em uma cantada na balada. O discurso violento e opressor – mais palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos e simples – ecoa e repercute. Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do que si próprio para ser ouvido, entendido e absorvido.

No médio prazo, precisamos repensar o ensino para melhorar o debate público. Enquanto isso, daqui até as eleições, quem ajuda mediar o debate público (como a mídia) precisa ajudar a qualificá-lo o melhor possível, na forma e no conteúdo. E quem dele participa, a exemplo dos políticos, deve baixar o tom e desconstruir essa ultrapolarização.

Para certas pessoas, uma mensagem anônima no WhastApp é mais agradável que cinco minutos de reflexão solitária – pois nunca se sabe aonde a autocrítica pode nos levar. Dissolver-se no coletivo e deixar que as decisões sejam tomadas pela massa me parece desesperador. Mas cair no fluxo e ser levado por ele tem sido a saída encontrada para muitos que estão assustados como o mundo e suas mudanças. Querem as coisas funcionando e qualquer mensagem que prometa uma saída rápida e violenta para tanto é recebida e compartilhada. O problema é que, no limite, isso destrói pontes e desumaniza o outro.

O apocalipse, ao que tudo indica, vai estar asfaltado com tiques azuis.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.