Topo

Leonardo Sakamoto

Mercado surta e ganha carinhos. Já milhões de desempregados seguem sozinhos

Leonardo Sakamoto

09/06/2018 18h10

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

No intuito de acalmar o mercado, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, quer que os pré-candidatos ao Palácio do Planalto firmem um pacto pela aprovação da Reforma da Previdência logo após as eleições de outubro.

Antes de mais nada, vale ressaltar que mais de 13 milhões de desempregados também sofrem com a indefinição do futuro político do país. Somem-se a eles cerca de 4,6 milhões de pessoas que desistiram de procurar emprego no primeiro trimestre deste ano por desalento. Infelizmente, não contam com ninguém para lhes oferecer um mísero copo de água com açúcar sequer, quanto mais um carinho desse porte vindo da segunda pessoa na linha sucessória do país.

Maia pede algo um tanto quanto impossível porque a maioria dos pré-candidatos ainda não explicitou seus projetos para a Previdência. Quando digo projeto não estou falando de pinceladas e opiniões aleatórias, mas sim do que será feito, com qual linha a seguir, os números que embasam as decisões e suas fontes, o cronograma de implementação da política. Muitos vão dizer que os programas de governos ainda estão sendo montados, o que é uma bobagem. A Previdência diz respeito à visão de país de um grupo que almeja o poder e, portanto, deveria ser uma das primeiras coisas a estarem disponíveis uma vez que todos já estão em campanha.

Uma parte dos candidatos, contudo, tem medo de publicizar o que deseja fazer com a Previdência para evitar que os eleitores façam o mesmo com eles.

A declaração de Maia, na verdade, é mais uma tentativa de se colocar como uma voz ponderada no processo, mostrando que a Câmara não está parada, do que algo factível. Sua ideia pode até prosperar caso vença um candidato com um projeto de Reforma da Previdência semelhante à proposta em trâmite no Congresso. Até porque deputados e senadores, passadas as eleições, estão menos suscetíveis à pressão popular. Mas não será fácil porque a população quer ver o diabo, mas não as mudanças propostas pelo governo para as aposentadorias.

Uma parcela considerável da sociedade discordava da proposta original da Reforma da Previdência, que atingia em cheio a classe média baixa, impondo pesados sacrifícios, como a contribuição mínima obrigatória de 25 anos. 

Devido à saraivada de críticas que o projeto recebeu, o governo aceitou desidrata-lo. Mas a falta de um debate público honesto, a persistência de buracos na proposta atual e as declarações de membros do próprio governo sobre a necessidade de "ajustes" posteriores à reforma fazem com que a desconfiança continue.

A campanha publicitária levada a cabo pelo governo federal, que afirmou que a reforma iria apenas limar privilégios das categorias de funcionários públicos melhor remunerados, se, por um lado, reduziu a antipatia à ideia, por outro, não convenceu dezenas de milhões de pessoas que seguem insatisfeitas por não terem tido a oportunidade de discutir a questão. Ou de serem consultadas a respeito.

Pois isso não estava relacionado no plano de governo da candidata Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer, em 2014. Não que o país não esteja acostumado a um bom estelionato eleitoral, mas sempre há uma gota d'água.

Sem contar que o mesmo governo e o mesmo parlamento que reclamam da necessidade de "acalmar o mercado" não avançaram com nenhuma medida para aumentar os impostos dos mega-ricos, que ganham centenas de milhares a milhões de reais por mês, mas seguem pagando menos imposto proporcionalmente que a classe média.

A Constituição Federal de 1988 afirmou que o país deve defender a liberdade de mercado, mas também garantir condições de bem-estar social à população. A Reforma da Previdência não diz respeito apenas a um ajuste fiscal, mas do Estado que queremos ter e quais são suas prioridades. 

Decisão grande demais para ser tomada por um Poder Executivo que não conta com legitimidade para tanto e um Poder Legislativo que não tem credibilidade para isso.

Os candidatos à Presidência da República devem debater o tema em suas campanhas, o quanto antes. E que seja aplicado o modelo de aposentadoria que o país pactuar nas urnas.

A sociedade brasileira deve arcar com as consequências das decisões que tomar, para bem e para mal. Já chega de políticos e gestores que consideram o povo incapaz de tomar decisões para sua própria vida e, consequentemente, acham válido tutelá-lo.

Eles não conseguem perceber que tratam como equivocada qualquer interpretação de mundo diferente da sua e, como manipulação, as ideologias diferentes daquela que abraçam – apesar de acreditar que não abraçam nenhuma.  

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.