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Leonardo Sakamoto

Em nome da segurança pública, Temer decreta morte do Ministério da Cultura

Leonardo Sakamoto

14/06/2018 15h22

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e o presidente Michel Temer. Foto: Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo

Por João Brant*, especial para o blog

Para juntar dinheiro para a segurança pública, Temer resolveu secar a fonte da cultura e do esporte. Na última terça (12), foi publicada a Medida Provisória 841, que reorganiza o Fundo Nacional de Segurança Pública e redistribui os recursos das loterias destinados a essas áreas.

Desde 2000, 3% dos recursos arrecadados com as loterias iam para o Fundo Nacional da Cultura. É verdade que parte do dinheiro vinha sendo contingenciado e desvinculado da fonte, mas no ano de 2010, por exemplo, o Fundo chegou a gastar mais de R$ 400 milhões. A mudança trazida pela MP diminuiu os 3% para 0,5% no caso das principais loterias (1% no caso da loteria esportiva). Ou seja, deixou um sexto do valor previsto anteriormente.

O resultado amplia o desastre que já acometia o Ministério da Cultura nos últimos anos. Entre dezembro de 2014 e de 2017, o MinC já havia perdido mais de 45% do valor real de seu orçamento discricionário, voltado para a execução das políticas culturais (sem contar os investimentos retornáveis do audiovisual) e seu custeio.

O Fundo Nacional da Cultura já vinha em trajetória decrescente. Foram R$ 74 milhões executados em 2015 e R$ 27 milhões em 2017. Essa diminuição foi reflexo da política de austeridade implantada primeiro em 2015, com a presença de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda, e depois acentuada com a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o teto de gastos para as despesas sociais.

Números do balanço de 2017 mostram que os recursos do Fundo Nacional da Cultura estavam sendo usados para sustentar despesas do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e do INSS.

Mesmo assim, ainda havia ali R$ 927,4 milhões de superávit acumulado para a área de cultura até 2017. A Medida Provisória pegou esse dinheiro que iria para o Fundo Nacional da Cultura e destinou para a amortização e pagamento dos juros da dívida pública.

Toda a esperança de reanimação das políticas culturais vinha dos 3% das loterias voltado ao Fundo Nacional da Cultura. Só eles poderiam garantir o pleno funcionamento do Sistema Nacional de Cultura, com repasse a estados e municípios. O ministro Sérgio Sá Leitão pareceu surpreso com a notícia, mas deveria ter se adiantado, já que há meses o governo anunciava que o recurso da segurança pública viria das loterias – e o maior superávit acumulado na fonte de loterias era do Fundo Nacional da Cultura.

O ministro, contudo, demonstra total desconhecimento do orçamento do Ministério. Por mais de uma vez, Leitão declarou ao Estadão e ao El País que o custeio – os gastos para a manutenção do ministério – estava fora dos R$ 550 milhões de orçamento. A realidade é a inversa: quase a totalidade deste orçamento é dedicada a custeio – cerca de R$ 400 milhões, em 2018.

O pouco que sobra tem de cobrir todas as políticas culturais e o Fundo Nacional da Cultura. Pior ainda, o ministro afirmou que este valor é compatível com o bom funcionamento das instituições do MinC e cobre plenamente seu funcionamento, o que é uma avaliação totalmente insustentável.

Considerado desnecessário por Temer, prejudicado pela aprovação da PEC do Teto dos Gastos, que congela novos investimentos por 20 anos, e desamparado pela falta de empenho de seu ministro em trabalhar por sua recuperação, o ministério já padecia em morte lenta.

Se o Congresso Nacional mantiver a Medida Provisória publicada, joga-se a pá de cal nas políticas culturais do governo federal.

Cultura e esporte são parte central da estratégia de enfrentamento à violência em qualquer país. Por aqui, contudo, essas áreas só perdem recursos. Temer, com isso, faz questão de mostrar que o Brasil gosta de andar perigosamente na contramão do mundo.

(*) João Brant, doutor em Ciência Política, é diretor do Instituto Cultura e Democracia e ex-secretário-executivo do Ministério da Cultura (2015 e 2016).

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.