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Leonardo Sakamoto

Sob Temer, o que despencou não foi desemprego, mas proteção ao trabalhador

Leonardo Sakamoto

14/06/2018 03h41

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Qual a diferença entre Maria, que vende bolo na rua para alimentar os filhos desde que perdeu o emprego, e tinha certeza que sua vida não estava melhorando e membros do governo, economistas e analistas que proferiam discursos triunfantes sobre a retomada da economia e diziam que estava sim? Ela, que não tem o ensino médio completo ao contrário dos doutores, tinha razão. Infelizmente.

O povo brasileiro é pragmático. Se o número de desempregados fosse de menos de 7 milhões ao invés de mais de 13 milhões, a desaprovação de Temer não estaria em 82%. Na verdade, se ele tivesse conseguido derrubar o desemprego pela metade, muitos relevariam as denúncias de corrupção, malas de dinheiro e gravações frigoríficas. Ou seja, diante da percepção de que a vida estivesse bem melhor, poderiam até votar nele ou em seu candidato.

Mas, nos últimos dois anos, o governo federal tem conduzido o país pela crise econômica demandando sacrifícios dos mais pobres (congelamento de gastos públicos em serviços básicos, redução de leis de proteção à saúde e segurança do trabalhador e até uma tentativa de dificultar libertações de escravizados) e protegendo os mais ricos (sem taxar dividendos recebidos de grandes empresas, sem criar novas alíquotas do Imposto de Renda para quem ganha muito mais, perdoando dívidas públicas bilionárias).

Como o governo não conta com respeito e legitimidade da maioria da população e nem é visto como um ator capaz e ético para mediar conflitos decorrentes do agravamento da situação econômica e política (sendo ele próprio um dos fatores de perpetuação da crise), acaba por chamar a mãe, quer dizer, as Forças Armadas toda vez em que se mete em enrascada. Tanto que conta com vários militares em importantes cargos civis.

Nesta quarta (13), ao finalizar um discurso no Seminário Nacional de Segurança Pública, Temer afirmou que "a Presidência é mais ou menos como ser secretário da Segurança Pública". Referia-se à imprevisibilidade do cargo que ocupa – que pode ir da "tranquilidade absoluta" a uma "coisa explosiva", segundo ele, em algumas horas. Ele foi por duas vezes secretário de Segurança Pública, em 1984 e 1992 – esta última vez logo após o Massacre do Carandiru e seus 111 mortos.

Mas, não. Ser presidente não é ser secretário de Segurança Pública, pois isso significaria que a capitulação do diálogo diante da repressão aconteceria de forma cotidiana e não como último recurso. Se para ele essa comparação faz sentido é mais por conta de uma distorção do entendimento sobre a democracia do que pela real função da instituição que coordena.

O lema de seu governo – Ordem e Progresso – já deixava claro que ele se via como leão-de-chácara da classe política e do poder econômico, que o colocaram lá. E sob a justificativa de implementar a ordem visando ao progresso, queria paz para fazer o bolo crescer, mas não necessariamente dividi-lo com todos. Padrão também adotado na época em que liberdade era coisa rara por aqui e coturnos faziam barulhos nas ruas.

Quando o impeachment foi aprovado, um dos receios era o esgarçamento institucional que a retirada de uma presidente eleita pelo voto popular por um motivo frágil poderia causar. Vivemos um momento em que a sensação é de desrespeito generalizado de regras e normas, a começar pelo presidente. Com isso, a população passou a confiar ainda menos no país. Desemprego alto, mais de 60 mil homicídios por ano. O desalento cozido em desgosto e perda de fé na política e no país semeia o terreno para desfechos medonhos que eram impensáveis alguns anos atrás.

O governo Temer veio com defeito de fábrica. E não foram poucos os que, repetidamente, avisaram que não funcionaria a contento.

Mas como tudo é ponto de vista, aquilo que é defeito para muitos foi a maior qualidade do mundo para alguns.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.