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Leonardo Sakamoto

PTB deveria ter entregado ministério antes de dificultar resgate de escravo

Leonardo Sakamoto

05/07/2018 17h46

Presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson colocou o cargo de ministro do Trabalho, sob comando do partido, à disposição de Michel Temer. Foto: Wilson Pedrosa/Agência Estado

Após o Supremo Tribunal Federal ter afastado o ministro do Trabalho, Helton Yomura, indicado pelo PTB, o presidente nacional do partido, Roberto Jefferson, colocou a pasta à disposição de Michel Temer.

E tirou o corpo fora. "Pessoalmente, insisto: não participei de qualquer esquema espúrio no Ministério do Trabalho. E acrescento que minha colaboração restringiu-se a apoio político ao governo para que o PTB comandasse a pasta", afirmou em nota pública.

Isso ocorre depois que a Polícia Federal deflagrou, na manhã desta quinta (5), a terceira fase da Operação Registro Espúrio, com o objetivo de desarticular um suposto esquema de fraudes na concessão de registros sindicais no Ministério do Trabalho.

Se esta fase também envolveu o deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP), nas anteriores, foi a vez de Cristiane Brasil (PTB-RJ), Paulinho da Força  (SDD-SP), Jovair Arantes (PTB-GO), Wilson Filho (PTB-PB), além de indicados políticos. Desta vez, a PF pediu busca e apreensão nos endereços do ministro Carlos Marun (MDB-MS), mas a Procuradoria-Geral da República negou.

Já afastado, Yomura decidiu pedir demissão, como divulgou a Folha de S.Paulo. Interinamente, assume o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, acumulando funções.

Não se sabe o que Temer fará com essa oferta do PTB, que é acertada. Apesar do timing, equivocado.

Espera-se que o Ministério do Trabalho não seja nem um puxadinho de sindicatos, tampouco filial de associações empresariais. A instituição deve zelar pela qualidade de vida dos trabalhadores e o respeito aos contratos de compra e venda da força de trabalho, sempre baseado nas leis e nas convenções coletivas.

Não à toa, sua área mais relevante é responsável por fiscalizar o cumprimento do marco legal, o que inclui os tratados internacionais dos quais somos signatários, bem como as já citadas convenções.

Mas sob o PTB, o ministério extrapolou seu papel, indo muito além de zelar pelo cumprimento da lei.

Talvez o exemplo mais triste seja a publicação de uma portaria que tentou dificultar a libertação de trabalhadores, obrigando os fiscais a adotarem um conceito de trabalho escravo que não está previsto no artigo 149 do Código Penal.

Assinada pelo então ministro Ronaldo Nogueira (PTB-RS), a portaria 1129/2017 alterava a inspeção desse crime e dificultava o resgate de pessoas. Basicamente, seriam considerados escravos os que fossem encontrados apenas em cárcere privado sob vigilância armada.

Esse ato administrativo baixado pelo ministério do PTB foi visto como moeda de troca entre o governo federal e a bancada ruralista para barrar a denúncia por organização criminosa e obstrução de Justiça contra Michel Temer na Câmara dos Deputados. O texto da polêmica portaria atendeu não apenas aos ruralistas, mas também a demandas de construtoras, que pedem mudanças no cadastro de empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escrava. A transparência da chamada "lista suja" também foi minada pela portaria.

A ministra Rosa Weber, do STF, acabou por conceder uma liminar suspendendo os efeitos da portaria, atendendo a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo partido Rede. E, em um de seus últimos atos como ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira editou a portaria 1293/2017, voltando atrás nas mudanças. Por fim, Raquel Dodge, procuradora-geral da República, enviou um parecer, nesta semana, pedindo que a portaria de outubro seja enterrada em definitivo por "ofender a dignidade humana".

Quando Ronaldo Nogueira saiu, a deputada Cristiane Brasil, filha de Roberto Jefferson, teve sua nomeação ao cargo de ministra do Trabalho suspensa pela Justiça Federal por conta de condenações trabalhistas que sofreu ao não garantir os direitos básicos de motoristas contratados por ela. Segundo, a ação popular, isso não seria condizente com os requisitos do cargo.

A batalha judicial chegou ao Supremo Tribunal Federal, que manteve suspensa a posse. Mesmo que Temer realmente tivesse a prerrogativa constitucional de indicar quem desejar ao cargo, o desgaste público falou mais alto. O trabalho de investigação da imprensa trouxe à tona um rosário de denúncias contra ela. A gota d'água foi a viralização de um vídeo em que a deputada, em um barco, rodeada por amigos empresários, afirmava que não fazia ideia de que os trabalhadores tinham aqueles direitos. O que seria um problema se ela fosse ministra do Trabalho, por exemplo.

Yomura, que era secretário-executivo do ministério, acabou assumindo o cargo oficialmente após essa polêmica, apadrinhado pelo líder do PTB.

Vale lembrar que a fiscalização do trabalho, que já vivia sob dificuldades financeiras na gestão Ronaldo Nogueira sofreu até cancelamentos de operações contra o trabalho escravo no período da polêmica entre Cristiane Brasil  e Helton Yomura.

Em tempos de Reforma Trabalhista e de Lei da Terceirização Ampla, o ministério deveria ser coordenado por alguém que conheça a fundo a CLT (ou o que restou dela), as convenções da Organização Internacional do Trabalho das quais o país é signatário e que conte com experiência no diálogo tripartite entre patrões, empregados e governo. Alguém capaz de mediar os conflitos que estão surgindo por causa dessas mudanças legais.

Além disso, vivemos um período de assentamento das interpretações das mudanças – que terão efeito direto na fiscalização coordenada pelo ministério. Mesmo que Temer tenha clara preferência pelo setor empresarial em detrimento aos trabalhadores, deveria aproveitar a deixa para escolher alguém capaz do serviço e não entregar a pasta para loteamento, em nome da governabilidade, como tem feito. Como tem sido feito, em maior ou menor grau, por todos os governos até aqui.

O problema é que o governo Temer é uma caixinha de más surpresas. Tudo pode acontecer até dezembro. Afinal, se tentaram até dificultar libertações de pessoas, certamente o roteirista é pródigo em assustar a audiência.

Post atualizado às 20h45, do dia 05/07/2018, para inclusão de informação.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.