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Leonardo Sakamoto

Mortalidade infantil cresce enquanto governo Temer corta gastos em saúde

Leonardo Sakamoto

16/07/2018 11h16

Crianças da região da Chapada do Apodi, no Ceará, estão expostas à contaminação devido a presença de agrotóxicos na água. Foto: Melquíades Junior/Repórter Brasil

O país registrou, pela primeira vez desde 1990, aumento ao invés de queda na taxa de mortalidade infantil – de 13,3 mortes infantis a cada mil nascidos vivos, em 2015, para 14/1000 em 2016. O resultado de 2017 deve se manter acima também. O vírus da zika e a crise econômica são apontados pelo Ministério da Saúde como responsáveis pelo aumento. Os dados inéditos foram analisados em reportagem de Cláudia Collucci, Marina Merlo e João Pedro Pitombo, da Folha de S.Paulo, desta segunda (16).

A variação parece pequena. Mas, se você olhar bem de perto, vai perceber que pequeno mesmo é um bebê morto por causas que poderiam ser evitadas.

Em momentos de grave crise econômica, o Estado brasileiro teria que zelar pela dignidade da parte mais pobre e vulnerável da sociedade, ao invés de priorizar os ganhos e o patrimônio dos mais ricos. Não é o que acontece.

Claro que a responsabilidade pela situação de 2016 não é apenas de Michel Temer, uma vez que isso reflete uma crise prolongada, cuja gênese estava no governo Dilma Rousseff. O que espanta é que, diante do diagnóstico sombrio, o governo receite o inverso.

Ou seja, recursos deveriam ser destinados à saúde, educação e habitação, que influenciam na qualidade de vida das crianças e suas famílias. Ao invés disso, o governo tem retirado fundos dessas áreas e destinado aos mais diferentes fins. Como o subsídio para a redução do preço do litro de óleo diesel a fim de atender os caminhoneiros em greve. Mais de R$ 142 milhões foram retirados do Sistema Único de Saúde (SUS), com esse propósito, além de cortes em programas de saúde dos povos indígenas e de saneamento básico.

Isso somado à aprovação da proposta de emenda constitucional 55/2016 (antiga PEC 241/2016) que limitou o crescimento nos gastos públicos pelos próximos 20 anos. A chamada PEC do Teto dos Gastos afeta principalmente o aumento de investimentos em duas das principais áreas na Esplanada dos Ministérios: a Saúde e a Educação.

Ambas estavam atreladas a uma porcentagem do orçamento. O montante da saúde, em nível federal, cresce baseado na variação do PIB, por exemplo. Como o governo impôs um teto para a evolução das despesas públicas, aplicando apenas a variação da inflação (ou seja, sem crescimento real), já está restringindo o que é gasto nessa área.

Ao mesmo tempo, a dívida do governo federal com o SUS disparou, atingindo R$ 20,9 bilhões até o final do ano passado. O valor refere-se a despesas que não são honradas. De acordo com a reportagem publicada no UOL, em maio, a dívida que representava R$ 1 bilhão, entre 2003 e 2011, e cresceu R$ 5,5 bilhões, entre 2012 e 2016, saltou R$ 14,3 bilhões apenas em 2017.

Lembrando que a cada perdão bilionário de multas e juros de dívidas de grandes empresas ou grandes proprietários rurais e a cada renovação de subsídios bilionários a determinados setores econômicos, diminui a capacidade do Estado em garantir esse mínimo quinhão de dignidade. Que, no caso de muitas comunidades do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, significam a sobrevivência de suas crianças.

Imagine como deve estar a situação dos mais vulneráveis entre os vulneráveis. Antes da crise morder, 4,8% dos domicílios brasileiros com pessoas com menos de 18 anos se encontravam em insegurança alimentar grave. Enquanto isso, nas comunidades indígenas Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, avaliadas por um relatório de 2016 da Fian Brasil, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), esse índice era de 28%.

Em 76% dos domicílios da pesquisa, a pessoa entrevistada afirmou que, no mês anterior ao levantamento dos dados, houve ocasião em que crianças e jovens da casa passaram um dia todo sem comer e foram dormir com fome, porque não havia alimento.

Para responder às demandas sociais presentes na Constituição de 1988 e as reivindicações de uma sociedade civil renascida após o período autoritário, o aumento da destinação de recursos em gastos públicos, como saúde, ocorreu acima da inflação. Dessa forma, o Estado atuou para reduzir o imenso abismo social do país. Se o reajuste tivesse sido apenas pela inflação, anualmente teríamos um aumento de custos e o tamanho da oferta de serviços não cresceria, permanecendo tudo como estava. E a mortalidade infantil não teria sido reduzida por 26 anos.

"O Brasil voltou, 20 anos em 2." Foi assim que o Palácio do Planalto chamou para um evento a fim de celebrar o primeiro biênio do governo Temer em maio. Se você teve a sensação de que viu uma vírgula a mais nessa frase, fique tranquilo. É ilusão de ótica.

Podia ser pior, claro. Tem gente que acha que 20 anos é pouco e quer nos devolver à ditadura militar e suas misérias.

Que a próxima geração nos perdoe – se ela conseguir nascer, é claro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.