Topo

Leonardo Sakamoto

Por não entender de economia, Bolsonaro vai terceirizar o governo do Brasil

Leonardo Sakamoto

22/07/2018 06h22

Foto: Sergio Lima/ Folhapress

Jair Bolsonaro reconheceu, mais uma vez, que não entende de economia. Questionado sobre temas relevantes da área, em entrevista ao jornal O Globo, afirmou que não tem vergonha de dizer que teria que consultar a sua equipe.

Não se espera de um presidente da República um doutorado no tema, mas conhecimento suficiente para não terceirizar a tomada final de decisões. Afinal, considerando que o artigo 3o da Constituição Federal, que trata dos objetivos da República, coloca em pé de igualdade o desenvolvimento econômico e os direitos sociais, um presidente tem que, em determinado momento, equilibrar as demandas de sua equipe econômica às das outras pastas da Esplanada dos Ministérios a fim de garantir qualidade de vida da população. Coisa que, dessa forma, ele admite não estar preparado para fazer, apesar de ter tido tempo para se preparar.

Bolsonaro defendeu que isso se resolve com bom senso. O problema é que "bom senso" é uma construção baseada em um ponto de vista hegemônico de uma sociedade e não, necessariamente, no bem estar da maioria. Corre o risco, dessa forma, de ser enganado, repetindo o que os donos do dinheiro querem ouvir.

E parte dos donos do dinheiro apoia Jair Bolsonaro pois acredita que seu governo será mais submisso aos seus desejos que o de Michel Temer. E olha que, para tanto, ele vai ter que se esforçar.

Isso é especialmente preocupante por que as duas principais pautas nas eleições de outubro são a geração de empregos e a segurança pública. Discordo (veementemente) das propostas do ex-capitão do Exército para combater a violência, mas reconheço que ele defende um pacote claro nessa área – liberar e promover armas, endurecer a abordagem estatal, buscar a aprovação de leis mais rígidas, reduzir liberdades civis, promover mais intervenções com as Forças Armadas, entre outras.

Até agora, contudo, não mostrou que tem uma proposta decente para o combate ao desemprego. Pelo contrário, entregou a um economista neoliberal a construção de um plano – que pode aprofundar a precarização da saúde e da segurança do trabalhador sob a justificativa de aumentar a competitividade empresarial.

O pouco que ele disse, em sabatina a empresários, já acende um alerta: "O trabalhador vai ter que decidir se quer menos direitos e emprego, ou todos os direitos e desemprego". Essa falsa dicotomia joga o risco dos empreendimentos apenas nas costas dos empregados.

"Estou indo para o vestibular ou para campanha política?", disse na entrevista ao Globo ao ser questionado repetidas vezes sobre economia. Isso diz muito sobre o que ele pensa de uma campanha política, que não se resume a subir em caminhão e ensinar crianças a fazer o sinal de um revólver com os dedos.

Bolsonaro defende o que minha finada avó que desconhecia como funcionava a economia, também defenderia. Lugares-comuns como manter inflação baixa, manter juros baixos, deixar o dólar em um valor bom. Sem saber dizer quais propostas sugere para uma Reforma Tributária – a mais importante para o futuro do país – e para uma Reforma da Previdência.

Mas duvido muito que, se fosse viva, minha avó – sábia como era ela – toparia votar em alguém que não entendesse de economia para tomar decisões econômicas que iriam afetar seu trabalho, sua aposentadoria, sua vida. Afinal, se for para escolher "alguém como a gente" para sentar a bunda no Palácio do Planalto, por que não levar qualquer um de nós para a tarefa? Se até para síndico de prédio escolhemos alguém com ideias e que saiba fazer contas, por que com candidato à presidente a coisa é diferente?

O mais fascinante é que há quem responda a isso dizendo que quem entendia de economia roubou ou quebrou o país, como se o culpado fosse o conhecimento em si e não as pessoas que o carregavam.

Se ele terceirizar as decisões da economia para o mercado, da segurança pública para as Forças Armadas, da vida no campo para bancada ruralista e das questões das relações humanas para a bancada do fundamentalismo religioso, o que vai fazer no Palácio do Planalto?

Talvez reescrever livros de História. Por exemplo, dizendo que o assassinato de Vladimir Herzog pela ditadura militar foi suicídio e transferindo a responsabilidade pelo massacre de Eldorado dos Carajás para os próprios sem-terra mortos, como fez em declarações recentes. Esses tipos de livros fazem muito sucesso, aliás, com a parcela da sociedade que terceirizou a reflexão.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.