Temer vai passar à história como aquele que enterrou a ciência nacional?
Gostamos de um autoengano. Um dos maiores é acreditar que o amanhã, subentendido na expressão "O Brasil é o país do futuro", é algo alcançável. Não, não é. Tem a mesma natureza das placas engraçadinhas de boteco que dizem "Fiado, só amanhã". É uma abstração que nunca chega porque, ao nos aproximarmos dele, chutamos para frente, para longe.
Uma das notícias mais deprimentes dos últimos tempos veio com a nota enviada pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) ao ministro da Educação dizendo que o financiamento para ciência subiu no telhado para 2019. A entidade só tem recursos para cumprir seus compromissos até agosto do ano que vem.
Cerca de 93 mil bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado podem ficar sem pagamentos. Hoje, doutorandos e mestrandos sustentam a produção de conhecimento científico no país recebendo da Capes, para isso, R$ 2200,00 e R$ 1500,00 mensais, respectivamente. O baixos valores mostram que, ironicamente, a escolha pela ciência no Brasil é um caminho de fé.
Em nota enviada à Folha de S.Paulo, o Ministério do Planejamento disse que a responsabilidade para a distribuição de recursos na Educação é da própria pasta. Ou seja, ela tem total liberdade de tirar de coisas sem importância como a alfabetização de adultos, a educação básica de crianças ou o custeio de universidades – em suma, descobrir um santo para cobrir outro.
Isso é uma amostra do que nos espera se a regra do Teto dos Gastos – mudança constitucional que limitou o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação por duas décadas capitaneada por Michel Temer – não for alterada no próximo governo.
O aumento da destinação de recursos para áreas como educação e saúde estava ocorrendo acima da inflação para responder às demandas sociais presentes na Constituição Federal de 1988 e, consequentemente, tentar reduzir não apenas o imenso abismo social, mas desenvolver economicamente o país. Afinal, não há crescimento viável e sustentável sem a produção de conhecimento científico nacional, pensado para o Brasil e suas peculiaridades e independente dos interesses de outros países.
Caso fosse apenas pela inflação, anualmente teríamos tido até agora apenas um reajuste de custos e o tamanho da oferta de serviços e de produção científica não cresceria, permanecendo tudo como está. essa é a realidade que enfrentaremos daqui em diante. Com a população aumentando e os desafios também, vai faltar dinheiro, cada vez mais.
O déficit público precisa ser equacionado e soluções amargas devem ser propostas e discutidas. Contudo, a reclamação do cobertor curto pela crise econômica para justificar que nada pode ser feito esconde soluções que não interessam ao andar de cima. Uma rediscussão dos subsídios concedidos a certos setores econômicos, do perdão de juros e multas a grandes devedores. O governo Michel Temer demonstrou um carinho grande com os mais ricos ao propor uma medida que limitará gastos públicos e evitando as que tiram uma pequena lasca dos abonados.
O abismo para o qual caminha a pesquisa científica seria uma ótima oportunidade para avançarmos na discussão sobre a volta da taxação de 15% sobre os dividendos recebidos de empresas, por exemplo. Desde 1995, os lucros recebidos por pessoas físicas estão isentos – coisa que não acontece com outros países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e nos coloca lado a lado com a poderosa Estônia em termos de legislação tributária.
Cobrar dividendos de acionistas de grandes empresas e destinar à educação e à ciência, por exemplo, não resolve totalmente o problema, mas seria uma forma de nos trazer mais para perto daquele amanhã citado acima. Isso representaria não apenas qualidade de vida aos cidadãos, trabalhadores formados, empresas fortalecidas e competividade para o país, mas também uma forma de reduzir nossa desigualdade estrutural – que não cobra quase nada de impostos dos super-ricos enquanto esfola a classe média.
Se o tamanho dos protestos em defesa da ciência nacional tivessem, ao menos, a mesma repercussão daqueles que se preocupam com quem o vizinho se deita ou que pedem golpe militar, o fim dessa história seria diferente. Se os candidatos à Presidência da República colocassem o tema no centro de seus programas de governo, também. Para isso, precisaria que os programas existissem, claro.
Faz sentido que o Brasil perca cérebros para o exterior. Isso aqui é terreno hostil para quem pensa.
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