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Leonardo Sakamoto

Com aumento, ganho no STF passará de 35 para 39 salários mínimos mensais

Leonardo Sakamoto

08/08/2018 21h36

Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Qualquer medida de autopreservação das classes mais privilegiadas em meio à grave situação social e econômica em que vive o país, como o reajuste de 16,38% nos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, é um contrassenso.

A maioria dos ministros aprovou a inclusão de aumento de seus contracheques de R$ 33.763,00 para R$ 39.293,38 mil mensais em sua proposta de orçamento a partir de 2019. Considerando que o salário mínimo previsto na lei orçamentária de 2019, aprovada pelo Congresso Nacional, é de R$ 998,00, frente aos R$ 954,00 de hoje, a remuneração dos ministros pode passar de 35,39 para 39,37 salários mínimos por mês.

Se confirmado pelo Congresso, que discute projeto com valor semelhante, e sancionado por Michel Temer, o reajuste deve provocar um efeito cascata em salários do Poder Judiciário, do Ministério Público, de parlamentares, de ministros de Estado, entre outros, da ativa e aposentados. Afinal, a remuneração do STF é, em tese, o teto do funcionalismo público.

Às remunerações agregam-se benefícios, como auxílio-moradia, e outros penduricalhos que aumentam salários do Poder Judiciário e do Ministério Público para além do teto.

As pressões junto à corte por parte de categorias que já não recebem pouco correram soltas. Lembraram que o último reajuste foi em janeiro de 2015 e que há uma perda inflacionária a compensar. E que tudo isso é feito dentro da lei, aprovado por deputados e senadores.

Toda demanda de trabalhadores, independente de quem sejam, merece ser analisada e não ignorada. O problema é que o momento em que estamos vivendo é grave a ponto do Estado ter baixado uma agenda de cortes sociais que atinge os mais pobres. O que torna o pleito dos que recebem mais fora de lugar e até insensível.

A emenda constitucional do Teto dos Gastos, por exemplo, proposta pelo Poder Executivo, aprovada pelo Poder Legislativo, confirmada pelo Poder Judiciário, atrelou a evolução dos gastos públicos à variação da inflação – ou seja, sem crescimento real – por duas décadas. O que vai piorar a já insuficiente qualidade dos serviços, como na educação e na saúde.

Os mais pobres, com salários mais curtos do que um mês, que dependem desses serviços públicos para conhecer um mínimo de dignidade, foram os escolhidos para serem empurrados para fora do guarda-chuva de proteção em nome de uma solução para a crise a partir de 2016.

Ao mesmo tempo, foram aprovadas uma Reforma Trabalhista e uma Lei da Terceirização Ampla, que reduziram a proteção à saúde e segurança dos trabalhadores, em nome do aumento da competitividade que não traz garantias de retorno em qualidade de vida à população.

Enquanto isso, os que ganham mais foram preservados. E não apenas no funcionalismo público – quem recebe como acionista de empresa não foi importunado com a volta da taxação sobre os dividendos, derrubada em 1995. Em outras palavras, o Estado brasileiro esqueceu-se que democratizar a chicotada também é uma questão de justiça social.

Quanto à legalidade do aumento, vale lembrar que se a maioria dos trabalhadores não estivesse excluída do processo decisório do país, talvez exigisse o cumprimento do inciso IV, artigo 7º da Constituição Federal, que prevê que o salário mínimo deve ser "capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e Previdência Social". E seja "reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim".

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), isso equivaleria, no mês de julho deste ano, a um salário de R$ 3674,77. Ou seja, 3,85 vezes mais que os R$ 954,00 atuais.

Um reajuste como esse em meio à crise não contribui com a redução da desigualdade. Pelo contrário, dificulta as pessoas a verem a si mesmas e às outras como iguais e merecedoras da mesma consideração. Leva à percepção de que o poder público existe para servir aos mais abonados e controlar os mais pobres. Ou seja, para usar a polícia e a política a fim de proteger os privilégios do primeiro grupo, usando violência contra o segundo, se necessário for. Com o tempo, a desigualdade leva à descrença nas instituições. O que ajuda a explicar o momento em que vivemos hoje.

Como já disse aqui, se você olhar bem de perto, perceberá que está escrito "auxílio-moradia" naquela faixa branca que rasga o círculo azul da bandeira nacional. Pelo menos é o que diz quem faz as leis, quem as executa e quem julga seu cumprimento.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.