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Leonardo Sakamoto

Quem ganhou o debate foram os donos de fazendas de perfis falsos e bots

Leonardo Sakamoto

10/08/2018 05h09

Imagem: Nelson Almeida/AFP

Quem está dentro do quentinho de sua própria bolha ideológica tem certeza de que seu candidato venceu o debate entre os presidenciáveis, realizado na noite desta quinta (9), na TV Bandeirantes. Preso junto aos que pensam igual nas câmaras de eco das redes sociais ou das listas de WhatsApp e apartados da diferença por conta da ultrapolarização, há quem viva numa realidade paralela, em que o desempenho de seu candidato o levará a conquistar dez pontos percentuais na próxima pesquisa de intenção.

Por oposição, devem ter achado que o principal adversário dele, seja quem for, passou vergonha. Pelo menos foi o que os memes – nova base da transmissão de conhecimento da civilização ocidental – assim disseram.

Na prática, um debate presidencial com oito pessoas é a festa bêbada da democracia. Não é possível aprofundar muito qualquer tema e, portanto, mesmo um candidato com conhecimento raso como um pires consegue sobreviver durante as suas poucas horas de duração. Ao mesmo tempo, as regras possibilitam isolar candidatos e acabam abrindo acordos informais de conveniência em nome da sobrevivência. Ou seja, eu pergunto a você, você pergunta para mim e deixamos aquele chato ali, sozinho.

O debate, apesar de ter sido útil para trazer nomes desconhecidos à tona, não deve ter alterado a corrida eleitoral. Serviu, contudo, para comprovar que Lexotan não é usado apenas para acalmar depoente em CPIs no Congresso Nacional. E mostrou que, após a votação do impeachment, o nome de Deus se transformou em coringa na boca de político na TV. Não falarás o nome do senhor teu Deus em vão? Revogaram o mandamento.

Há frases e situações que atravessaram os limites das bolhas, claro. A melhor foi de Boulos para Meirelles: "aqui, nesse debate, tem 50 tons de Temer" – o que tem potencial para estampar umas das coisas mais importantes da vida: camisetas. Ou de Ciro, sobre os devaneios do Cabo Daciolo: "a democracia é uma beleza, mas ela tem certos custos". Benevenuto Daciolo, que zerou a internet quando sacou uma bíblia para fazer suas considerações finais. Ele que, durante seu mandato de deputado federal, propôs mudar a Constituição Federal para trocar o "todo o poder emana do povo" para "todo o poder emana de Deus", confundiu bancada com púlpito.

Mas, se há um ganhador no debate entre os presidenciáveis, ele é o dono de qualquer empresa de consultoria digital que esteja alugando suas fazendas de perfis falsos e bots a candidatos para influenciar a opinião de eleitores nas redes sociais.

Tivemos uma amostra do caos que nos espera nos próximos dois meses. Nas redes, nuvens de perfis simples criados especialmente para o combate político (pouco ou nenhum seguidor, nome gerado por computador, imagens genéricas de perfil, postagens apenas para defender ou atacar alguém) produziram e reproduziram dezenas de milhares de tuítes a favor ou contra candidatos. O objetivo foi fazer você crer que, se todo mundo está falando de algo, é por que é verdade. O que é uma grande mentira.

Tamanha onda de postagens gerou situações pitorescas. Bolsonaro apareceu como um dos dez temas mais falados no Twitter na Rússia, Cabo Daciolo figurou entre os principais do Paquistão e Ciro e Marina, do Vietnã, por exemplo.

Seria ótimo saber que o mundo está participando ativamente das eleições brasileiras, postando dezenas de milhares de tuítes. Eu ficaria preocupado se alguém estivesse usando robôs desses países para manipular o debate público por aqui. O Twitter diz que isso é normal, que quando não há trending topics suficientes de um lugar, a lista de assuntos do momento é preenchida com os de outros.

A verdade é que aquilo que passa pela tela do celular já alterou a forma como vemos e percebemos debates eleitorais, dando a eles novos significados a depender dos estímulos que recebemos. Qual o impacto disso nas eleições? Ultimamente, tenho achado que, se não matar a democracia, já está bom demais.

Post atualizado às 23h57, do dia 10/08/2018, para inclusão de informações.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.