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Leonardo Sakamoto

O Brasil elege alguém que prometer privatizar a Petrobras, o BB e a Caixa?

Leonardo Sakamoto

12/08/2018 12h10

Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Dez dias após defender a cobrança de mensalidades na pós-graduação de universidades públicas em uma entrevista à Globonews, o ex-governador Geraldo Alckmin corrigiu o curso, afirmando que isso deveria atingir apenas especializações, ou seja, excluindo mestrado e doutorado – que formam o núcleo da produção científica brasileira. E, ainda assim, com a previsão de bolsas para os mais pobres.

Para sua militância, ele teria sido mal-interpretado. Por outro lado, a força de algo como uma pesquisa qualitativa mostrando descontentamento de uma parcela barulhenta do eleitorado com a posição original não pode ser desprezada.

Em análise na Folha de S. Paulo, o cientista político André Singer afirmou que o posicionamento original era uma tentativa de ganhar votos de setores do eleitorado que defendem a privatização radical. A maioria da população brasileira não compartilha desse ponto de vista, mas, neste momento, Alckmin não precisa falar com toda a população. Disputa votos com Jair Bolsonaro para ir ao segundo turno.

O candidato do PSL, primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto nos cenários sem Lula, reconheceu, também em entrevista à Globonews, que apoiaria a privatização da Petrobras "se não tiver solução", apesar de já ter se colocado pessoalmente contra várias vezes. Esse é um dos casos em que o corpo nacionalista do ex-capitão incorpora o espírito neoliberal de seu guru econômico, Paulo Guedes. Se ele agiria como boneco de ventríloquo uma vez eleito, é difícil dizer. Mas seu perfil aponta que não – ou seja, o "pessoalmente contra" deve prevalecer. Na mesma entrevista, afirmou que não venderia bancos públicos e Correios.

Privatizações e o tamanho do Estado continuam sendo questões espinhosas em eleições. Na campanha presidencial de 2006, após ser acusado de defender a privatização das principais estatais, Alckmin pagou um mico ao aparecer com uma jaqueta e um boné com logos de empresas como a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa. Em novembro de 2017, o ex-governador brincou com o episódio em um evento: "Privatização não é mais palavrão, não. Acho que amadureci mais, estou mais preparado, mas sem usar jaqueta".

Daí, talvez mais soltinho, em fevereiro deste ano, defendeu a privatização de áreas da Petrobras e até a venda do comando da empresa no futuro. Não contava que "privatização" segue sendo palavrão sim, principalmente quando se refere a grandes empresas com um relação simbólica com a população. Provavelmente, diante da repercussão e de olho no discurso de outros candidatos, voltou atrás. Reforçou que não privatizaria as partes estratégicas da companhia, nem os principais bancos estatais.

Disse que pretende "privatizar o máximo que eu puder". O uso do "puder" significa que ele sabe que há forte resistência, principalmente junto à população.

Maioria contra privatizações

Sete em cada dez brasileiros é contra privatizações de empresas estatais. E 67% vê mais prejuízos que vantagens na venda de companhias brasileiras para estrangeiros. Os dados são da última pesquisa Datafolha sobre o tema, de dezembro do ano passado.

Ao todo, 70% se opõe à venda do controle da Petrobras e apenas 21% demonstra ser a favor. Em 2015, era 61% contrário e 24% a favor. O único grupo cuja maioria defende a privatização é quem ganha mais de dez salários mínimos, com 55%. Ou seja, o grupo que conta com mais recursos para investir em ações da companhia.

Outra pesquisa, de maio deste ano, feita em meio ao caos da falta de combustível causado pela greve dos caminhoneiros, apontou que 55% da população era contrária à privatização da empresa e 74% não queria que seu controle passe a estrangeiros. Os dados das duas pesquisas não são comparáveis porque usaram metodologias diferentes – por exemplo, a de dezembro teve mais ouvidos e menor margem de erro e a mais recente foi feita por telefone.

Os números apontam que os defensores do Estado mínimo, no que pesem terem aumentado a sua presença nas redes sociais e na política, nos últimos anos, seguem sendo minoria.

O repúdio à ideia de "privatização" levou a tentativas de rebatizar a criança com outro nome, mais palatável. O então prefeito de São Paulo e hoje candidato ao governo estadual João Doria lançou um programa de "desestatização" para a entrega à iniciativa privada de equipamentos públicos, como o centro de convenções do Anhembi e o autódromo de Interlagos. Nas peças publicitárias voltadas a investidores estrangeiros, contudo, aparecia novamente como um projeto de "privatização".

Trecho do vídeo "Road Show Prefeitura de São Paulo". Imagem: Reprodução

Há quem defenda que o Estado deveria ser menos responsável por educação, saúde, segurança, transporte porque não seria um bom gestor. Ou seja, ao invés de cobrar para manter e ampliar escolas públicas e o Sistema Único de Saúde, deveria reduzir impostos e transferir recursos às famílias mais pobres para que pagassem mensalidade de uma escola particular ou comprassem um plano de saúde. Ao mesmo tempo, o Estado não deveria ser sócio de empresas, muitos menos administrá-las, mas vender seu comando à iniciativa privada e atuar apenas na regulação de setores mais estratégicos, atuando para melhorar a infraestrutura e garantir segurança pública.

Outros defendem que o poder público deve atuar redistribuindo riqueza e, através de impostos cobrados de forma mais pesada dos mais ricos do que dos pobres, custear um Estado que cuide do bem estar da parte de sua população – que não poderia adquirir serviços públicos de qualidade, como cursos de nível superior ou cirurgias complexas, de outra forma. E que os dividendos pagos por estatais sejam usados no desenvolvimento social e elas próprias sirvam para regular preços e fomentar o crescimento em locais ou setores que não atraem a iniciativa privada.

O fato é que a população parece ainda perseguir a promessa da repactuação democrática da Constituição Federal de 1988 de um Estado de bem-estar social. E não de um Estado mínimo, mesmo com todos as dificuldades e problemas para a sua implementação.

Há projetos de país?

Essa posição, ao que tudo indica, fura a polarização entre "coxinhas" e "mortadelas". Levantamento conduzido pelos pesquisadores Esther Solano, Lucia Nader e Pablo Ortellado junto aos manifestantes pró-impeachment de Dilma Rousseff, em 2015, mostrou que além da pauta anticorrupção, a esmagadora maioria defendia o fortalecimento dos serviços públicos universais, como educação, saúde e transporte. O que batia de frente com a pauta de alguns movimentos pró-impeachment.

Entre os manifestantes, 97% concordava total ou parcialmente que os serviços públicos de saúde deviam ser universais e 96% que deviam ser gratuitos. Já 98% concordava total ou parcialmente com a universalidade da educação pública e 97% com a sua gratuidade.

As principais pautas na eleição presidencial de outubro devem ser os 13 milhões de desempregados e as quase 64 mil mortes violentas por ano no país. Mas os candidatos não vão fugir de serem questionados sobre sua visão para o Estado brasileiro.

Ele não deve ser inchado, mas contar com o tamanho certo para fazer frente às necessidades da população. A privatização facilitou, por exemplo, o acesso a linhas telefônicas. Mas nossos serviço de dados e telefonia estão entre os de pior qualidade e os mais caros entre os países em desenvolvimento, campeões em reclamação do consumidor. E quando uma empresa de telefonia privada tem um problema por má gestão, quem é chamado para assumir o prejuízo financeiro é o caixa da União, ou seja, todos nós.

Seguimos privatizando os lucros e socializando os prejuízos.

Quando, por exemplo, o fornecimento de água aos cidadãos de uma grande cidade torna-se menos importante que os dividendos distribuídos aos acionistas de sua empresa de saneamento, é por que algo deu muito, mas muito errado.

Privatizações e quebras de monopólio deveriam acontecer dentro de um projeto de país que seguisse o que está previsto no artigo 3o da Constituição Federal como os objetivos da República, ou seja, a proteção dos direitos sociais e a promoção do desenvolvimento econômico. Podemos concordar ou não com os projetos de um candidato ou candidata, mas se apresentados e validados pela maioria, devem ser executados.

Este período é o momento para que um debate sobre diferentes projetos de país seja realizado e democraticamente endossado ou rejeitado.

A impressão, contudo, é que a maioria dos grupos políticos se dividem entre a) aqueles que contam com um projeto, mas têm medo que a população descubra; b) oferecem, para conquistar o eleitorado, um projeto que, uma vez eleito, será engavetado; c) não têm um projeto e, por isso, querem polemizar discutindo com quem você se deita; d) não são capazes de opinar.

Há exceções, claro, que poderiam elevar o nível do debate eleitoral. Mas o ambiente – que reduz a complexidade de ideias e a responsabilidade por decisões a frases lacradoras em redes sociais – será capaz de garantir que elas sejam ouvidas?

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.