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Leonardo Sakamoto

Brasil tem menos mulheres no parlamento que país com pior IDH do mundo

Leonardo Sakamoto

14/09/2018 15h07

Trabalhadora migrante boliviana em oficina alvo de resgate de trabalhadores em São Paulo. Foto: MPT

Enquanto o Brasil se mantém na 79posição entre 189 países e territórios avaliados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo atualização do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), divulgada nesta sexta (14), estamos na 94ª posição – acima Bolívia e do Paraguai e abaixo do Uruguai, Argentina e Venezuela – no Índice de Desigualdade de Gênero, que avalia saúde reprodutiva, empoderamento e mercado de trabalho.

Por aqui, o IDH dos homens fica em 0,761 e o das mulheres em 0,755 – quanto mais próximo de 1, melhor as condições de renda, expectativa de vida e escolaridade.

Parte dessa disparidade é explicada, segundo as Nações Unidas, pelo fato delas se dedicarem mais tempo a tarefas domésticas do que os homens (tempo que não é remunerado), além do que gastam trabalhando fora.  Segundo o levantamento do PNUD, elas trabalham 4,3 vezes mais cuidando da casa, dos filhos, dos idosos, dos doentes do que os homens – a tão conhecida jornada tripla.

Dados relacionados a trabalho e gênero da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2017, divulgados em abril, apontaram que mulheres dedicam 20,9 horas semanais aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, quase o dobro do que homens (10,8 horas semanais). Entre os 88,2 milhões de mulheres de 14 anos ou mais, 92,6% delas faziam essas duas atividades no ano passado, frente aos 90,6% de 2016. Enquanto isso, os 80,5 milhões de homens passaram de 74,1%, em 2016, para 78,7%, em 2017.

Outro dado divulgado pelo mesmo IBGE, em dezembro do ano passado, mostrava que somando-se as horas dedicadas às atividades no domicílio e à ocupação remunerada, as mulheres trabalhavam mais tempo do que os homens, com uma carga horária média que ultrapassou 54 horas semanais em 2016. Os homens trabalharam, em média, 51,5 horas semanais.

Trabalho doméstico ainda não é considerado trabalho para muita gente, mas sim obrigação, muitas vezes relacionada a um gênero (e, não raro, também a uma cor de pele) que tem o dever de cuidar da casa. Dever este que não está no código genético da humanidade, mas foi construído e imposto. E, transformado em tradição e cultura, é abraçado e dificilmente discutido.

É sintomático, portanto, que apenas recentemente a Organização Internacional do Trabalho tenha conseguido aprovar uma convenção para igualar direitos para trabalhadoras domésticas em relação ao restante da sociedade. Ou que o Brasil, apenas em 2015, tenha finalmente regulamentado a emenda constitucional que abriu uma fresta de luz na senzala dessa categoria, garantindo a elas os mesmos direitos desfrutados pelo restante da população.

O que levou, é claro, a um ranger de dentes dos herdeiros da Casa-Grande. E ao inconformismo de políticos que os representam e votaram contra a medida e depois culpam a nova legislação e não a crise econômica pelo desemprego entre as empregadas trabalhadoras domésticas.

A questão da jornada tripla (trabalhadora, cuidadora de crianças, idosos e enfermos e responsável pela casa) é apenas um elemento para corroborar o fato de que vivemos em uma sociedade com um pé no futuro e outro no passado. A qual todos nós pertencemos e, portanto, contribuímos com a perpetuação de suas bizarrices. Principalmente nós, homens.

De acordo com os dados, desta sexta, do PNUD, apesar das mulheres viverem mais e terem melhor escolaridade que os homens, sua renda é, em média, 42,7% menor.

Nesse sentido, há pesquisas que apontam que mulheres deveriam ganhar 10,4% a mais que os homens no Brasil, considerando sua formação, experiência e produtividade em relação à atividade econômica e à posição profissional. Esse dado fez parte do "Relatório sobre Salário Global", divulgado Organização Internacional do Trabalho.

O fato de termos tido uma mulher na Presidência da República e, até esta quinta, contado com uma na Presidência do Supremo Tribunal Federal pode ser simbolicamente relevante, mas é social e politicamente insuficiente, não servindo para justificar a ocorrência de nenhuma mudança estrutural. São poucas as governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas, vereadoras. Mas também CEOs, executivas, gerentes, síndicas de condomínios.

Segundo o IBGE, as mulheres continuam com menos acesso a cargos gerenciais do que os homens. No Brasil, em 2016, 62,2% dos cargos gerenciais, tanto no poder público quanto na iniciativa privada, eram ocupados por homens e 37,8% por mulheres.

Um dado da atualização do PNUD divulgada nesta sexta chama a atenção: o país com menor IDH do mundo, o Níger, na África, tem mais mulheres com assento no parlamento do que nós – 17% contra 11,3% (dado de dezembro de 2017). No Senado Federal, 16%, e, na Câmara dos Deputados, 10,5%. Naquele momento, três estados brasileiros não tinham nenhuma deputada federal: Paraíba, Sergipe e Mato Grosso.

Falta criar condições não apenas para que elas cheguem lá mas, chegando, sejam tratadas com o mesmo respeito que nós, homens. O que inclui a adoção de direitos reprodutivos nas políticas corporativas, por exemplo, garantindo que carreiras não sejam prejudicadas pela maternidade – regras que, uma vez aprimoradas, devem ser fiscalizadas pelo Ministério do Trabalho (apesar de haver político que diga que é impossível monitorado essas políticas no setor privado).

Mas também uma mudança de mentalidade dentro de nossas próprias casas e de nossas vidas. Não se "ajuda" as mulheres em trabalhos domésticos, mas "compartilham-se" responsabilidades iguais. "Ajuda" é o que nós, homens, deveríamos estar disponibilizando para que outros homens reflitam sobre o nosso papel na manutenção dessa desigualdade e mudem de comportamento.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.