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Leonardo Sakamoto

Doação eleitoral de rico vai manter distorção de representação no Congresso

Leonardo Sakamoto

15/09/2018 14h05

Foto: Fernando Bezerra Jr. (EFE)

Com as empresas proibidas de doar (oficialmente) para candidatos desde a eleição de 2016, ricos empresários têm assumido o protagonismo desse financiamento. Ou seja, candidaturas mais identificadas com os interesses desses empresários ou de sua classe social contam com uma vantagem competitiva.

As doações de pessoas jurídicas estiveram na origem de vários escândalos de corrupção de políticos que retribuíram, através da aprovação de leis e outros favores, a fatura de sua eleição passada ou agiram a fim de garantir o financiamento do pleito seguinte. A Operação Lava Jato, ainda em curso, é um exemplo disso.

O problema é que a legislação permite que milionários-financiadores, donos das empresas agora proibidas de bancar candidaturas, doem grandes quantias aos seus preferidos uma vez que o limite é de 10% de seus rendimentos brutos como pessoa física em 2017.

E, pior: também autoriza que milionários-candidatos doem para si mesmos até o limite de gastos para o cargo público que estão disputando. Henrique Meirelles doou para a sua própria campanha, até agora, R$ 45 milhões. Ele aparece como único financiador no site do Tribunal Superior Eleitoral. Com isso, o valor do Fundo Partidário do MDB que seria usado na candidatura à chefia do Executivo nacional é distribuído entre aqueles que buscam a reeleição na Câmara e no Senado, também desequilibrando o jogo.

Vale ressaltar que há candidatos à direita, mas também à esquerda, que representam interesses do empresariado.

Quem defende os interesses de grupos sociais pobres ou marginalizados e/ou que não conta com a simpatia da classe empresarial tem mais dificuldade de captação de recursos. E, portanto, menos chance de ser eleito. O esforço para arregimentar mil doadores de R$ 15,00 através de crowdfunding (a conhecida "vaquinha virtual") é bem maior do que a de obter R$ 15 mil de um único simpatizante – a menos que você seja um líder de massas. Sem contar que empresários que doam recomendam a seus amigos empresários que façam o mesmo. Ou seja, ao final, não são R$ 15 mil. Mas seis, dez, vinte vezes isso.

O saldo final tende a distorcer a democracia. Aumentam as bancadas empresariais e de produtores rurais. E também as bancadas religiosas, uma vez que – apesar das proibições – certas igrejas funcionam como grandes currais eleitorais.

Vale ressaltar que, a princípio, não há ilegalidade em grandes doações feitas a candidatos. O ato de doação pode ser apenas um indício de que o doador comunga com as propostas do candidato ou com sua atuação prévia e deseja que ele o represente politicamente, seja por suas ideias, seja por sua classe social.

Nesse sentido, o deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da Reforma Trabalhista, é um dos candidatos ao parlamento que mais receberam doações, com R$ 1.221.123,60 computados no site do Tribunal Superior Eleitoral até às 12h deste sábado (15). Dentre eles, proprietários e sócios de grandes empresas.

Os 15 maiores doadores de Rogério Marinho, até o momento em que este texto foi escrito, eram:

1) Fundo especial da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência: R$ 300 mil
2) Fundo partidário da Direção Nacional do PSDB: R$ 200 mil
3) Nevaldo Rocha, dono da Riachuelo: R$ 100 mil
4) Renato Feitosa Rique, sócio da Aliansce Shopping Centers: R$ 70 mil
5) Sebastião Vicente Bomfim Filho, dono da Centauro: R$ 51 mil
6) Pedro Alcântara Rego de Lima, sócio do Grupo Três Coracões: R$ 50 mil
7) José Salim Mattar Júnior, dono da Localiza: R$ 50 mil
8) Flávio Rocha, dono da Riachuelo: R$ 50 mil
9) Financiamento coletivo: R$ 23.643,10
10) Antonio Carlos Pipponzi, dono da RaiaDrogasil: R$ 23 mil
11) José Júnior Maia Rebouças, sócio do Rebouças Supermercados: R$ 20 mil
12) José Bezerra de Araújo Júnior, pecuarista: R$ 20 mil
13) João Boschilia Appolinario, dono da Polishop: R$ 20 mil
14) Antonio Alberto Saraiva, dono do Habib's: R$ 20 mil
15) Luiza Helena Trajano Inácio Rodrigues, dona do Magazine Luiza: R$ 15 mil

A partir de propostas encaminhadas pelo Palácio do Planalto, a Reforma Trabalhista ganhou corpo na Câmara dos Deputados, com dezenas de acréscimos. O texto final teve sugestões inspiradas em demandas apresentadas por confederações empresariais e grandes empresas e por posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho – posições que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores.

Empresários defenderam a reforma, afirmando que ela irá reduzir custos, aumentar a competitividade e facilitar o crescimento econômico e a geração de empregos. O Ministério Público do Trabalho, sindicatos e organizações sociais afirmam que a reforma retira proteção à saúde e segurança do trabalhador e vai precarizar postos de trabalho, reduzindo a qualidade de vida da população. Dez meses após entrar em vigor, a geração de empregos segue em ritmo lento no país de acordo com números do IBGE.

O aprimoramento das plataformas de consulta de doadores de campanha é uma transparência muito bem vinda. Ficou mais fácil para o cidadão verificar se o comportamento de políticos eleitos, em seus atos cotidianos ou suas votações, é republicano ou serve para garantir o financiamento da eleição seguinte.

O problema é o sistema de financiamento como um todo e não a candidatura de um deputado em particular. Os doadores empresariais estão apoiando aquele que representa melhor seus interesses ou sua visão de projeto de país. Esse, contudo, é apenas o ponto de vista de um dos vários grupos que integram a República. O parlamento deveria, portanto, representar a pluralidade presente na sociedade brasileira – de ideias, de grupos, de gêneros, étnicos.

Se as falhas no financiamento privado individual não forem corrigidas e um limite às doações de ricos não forem impostas, o Congresso Nacional pode aprofundar o abismo existente entre ele e o resto do país, com uma maioria de homens brancos de classe alta e média alta, representando interesses de uma minoria. Empresários conseguindo eleger mais facilmente seus candidatos que, depois, priorizarão seus interesses, significa passar por cima do equilíbrio, previsto na Constituição Federal de 1988, entre o desenvolvimento econômico e a efetivação dos direitos sociais, objetivos da República.

Não surpreende, portanto, que o general da reserva Antonio Hamilton Mourão (PRTB), candidato à vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), defendeu que uma nova Carta Magna seja criada por um pequeno comitê de juristas e constitucionalistas sem a eleição – pelo povo – de uma Assembleia Constituinte para escrevê-la. "Não precisa de Constituinte", disse ele. "Fazemos um conselho de notáveis e depois submetemos a plebiscito. Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo."

Meia dúzia de homens brancos ricos representarão muitos bem os outros homens brancos ricos que seriam eleitos em uma Constituinte. O povo? Só um detalhe incômodo que, com jeitinho, pode ser retirado da equação.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.