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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro não está à frente por causa de seu machismo. Está apesar dele

Leonardo Sakamoto

02/10/2018 20h14

Fotos: AFP/Reuters

Jair Bolsonaro (PSL) atingiu 32% das intenções de voto na pesquisa Datafolha, divulgada nesta terça (2), enquanto Fernando Haddad (PT) permanece em segundo lugar, com 21%, e Ciro Gomes, em terceiro, com 11%. A rejeição ao petista aumentou de 32% para 41%, chegando perto da de Bolsonaro (44%).

Parte dos eleitores do ex-capitão não compactua, necessariamente, com as ideias da época do Brasil Colônia que ele ostenta sobre os direitos fundamentais, além do envolvimento em polêmicas sobre machismo, racismo, homofobia. Mas, cansado e desgostoso, toparia eleger até o Capiroto se ele prometesse "mudar tudo que está aí" e "evitar que os sempre assumam o poder", trazendo ordem, segurança e emprego.

Bolsonaro é o mais qualificado para gerar empregos e garantir segurança pública de forma sustentável? Não, nem de longe. O PowerPoint que ele chama de programa de governo, não explica como vai fazer isso. Ele se esquiva de perguntas e inventa números. Não demonstra dominar proposta alguma para as áreas de economia, educação, saúde, ciência e tecnologia. Pior: as soluções que dá aos problemas do país não sobreviveriam a uma sessão de interrogatório do coronel Brilhante Ustra, o finado torturador-açougueiro da ditadura de quem é fã.

Mas, como já disse aqui no início de sua campanha, sabe se comunicar. Fala para uma parte dos radicais de extrema direita o que querem ouvir. Conversa da maneira que uma parte não radical dos eleitores de classe média baixa entende, mesmo que discorde – o que preenche medos, ansiedades e sensação de vazio com essa conexão (o conteúdo, nesse caso, é menos importante que a forma). Enquanto isso, os mais ricos entenderam que Bolsonaro e sua equipe não irão bater de frente com a manutenção de seus privilégios.

Até as confusões de sua campanha contribuem quando parecem que atrapalham. Pois enquanto o general da reserva Hamilton Mourão criticou duas vezes o 13o salário, o que é música para muito empregador, Bolsonaro o desautoriza, dizendo que a gratificação natalina é sagrada – alegrando quem tem carteira assinada. No final, os dois lados têm certeza que o governo defenderá o seu interesse. Qual deles está falando a verdade? Acho que nem o ex-capitão sabe a resposta.

No Brasil, os temas comportamentais e morais, apesar de fazerem sucesso nas redes sociais com a extrema-direita, não são o fiel da balança do voto. São insuficientes para eleger alguém. Para a massa, os principais temas da campanha ainda são os mais de 12,7 milhões de desempregados, os mais de 64 mil homicídios anuais e o retorno da vida aos padrões mínimos de normalidade – o que não temos desde a loucura das eleições de 2014.

Como já disse aqui, Bolsonaro tem uma resposta para a segurança pública que passa por armar a população e apoiar a letalidade policial. Na geração de empregos, contudo, vai mostrando que a qualidade de vida do trabalhador é menos importante que a tranquilidade do empresariado.

A massa da população não é irracional, sabe votar. O eleitor é pragmático em seus cálculos políticos. Com a economia indo bem e o país crescendo, a população reelegeu Lula, em 2006, mesmo após as denúncias de corrupção envolverem seu partido. Em oposição, alguém acredita que, se o Brasil estivesse crescendo a 4% ao ano e empregos e poder de compra sendo preservados, Dilma Rousseff teria sofrido impeachment?

Com o país parado no pântano, o sentimento é de mudança. O candidato se aproveitou muito bem disso, criando uma narrativa que trazia para si o frescor na novidade – mesmo que seja deputado federal há sete mandatos, tendo criado um clã político com seus filhos. E mesmo que as ideias que defenda sejam aquelas que passaram a maior parte do tempo no poder desde 1500.

A atual situação de crise institucional e de perda de fé na política como solução pacífica dos conflitos nacionais abriu as portas para uma candidatura como a de Jair Bolsonaro, que se coloca como um "salvador da pátria" a fim de ganhar espaço a fim de nos "tirar das trevas", passando por cima das regras e limites dados estabelecidos pela democracia. Se tivéssemos um discussão real das propostas à Presidência, em que candidatos fizessem campanha mostrando como são suas propostas e como é o vácuo de seus adversários, em português claro e compreensível pela massa, a situação seria melhor para as candidaturas do campo democrático. Mas não é o que está acontecendo.

A democracia é valor importante, mas que é facilmente relativizado em momentos de estresse econômico e social. O estudo "Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil", produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com levantamento do Datafolha, mostrou que, em uma escala de zero a dez, a sociedade brasileira marca 8,1 na propensão a endossar posições autoritárias.

Sim, uma parcela das pessoas topa trocar a democracia pela falsa sensação de segurança e pela esperança (que talvez nem seja concretizada) de ter um emprego que garanta um mínimo de dignidade para si e para sua família.

E sim, uma parcela antipetista da sociedade aceita trocar a democracia por manter o PT longe do poder.

A falta de resposta decente e compreensível dos candidatos à necessidade de gerar postos de trabalho e reduzir os homicídios pode jogar o Brasil não mãos de alguém despreparado para garantir emprego e segurança. Alguém que não tem apreço pela democracia e pela liberdade e que, no final das contas, vai conseguir – sob a justificativa de nos afastar da ditadura venezuelana, nos empurrar para a sua própria.

E, num futuro próximo, tendo visto isso acontecer, o presidente do Supremo Tribunal Federal certamente dirá que foi tudo um "movimento".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.