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Leonardo Sakamoto

Haddad desiste de Constituinte e isola Dirceu em nome de frente democrática

Leonardo Sakamoto

08/10/2018 23h34

Apesar de ter ido visitar Lula na Polícia Federal, em Curitiba, nesta manhã de segunda (8), Fernando Haddad (PT) citou o ex-presidente apenas uma vez na entrevista coletiva que concedeu num hotel da cidade – longe da sede da PF e não deve voltar lá até o final da campanha. Já está contatando e recebendo lideranças de outros partidos e modulou o discurso. À noite, deu dois acenos ao centro do espectro político no intuito de obter apoios para o segundo turno – mostrou que está disposto a mudar o programa de governo e deu um chega pra lá público em José Dirceu, figura importante do seu partido. Disse estar ao lado da social-democracia. São passos para a criação de uma frente democrática contra Bolsonaro.

Terá que suar a camisa para trazer outros adversários derrotados para perto, conversar com o empresariado, com movimentos e organizações sociais, além de ganhar as ruas. E melhorar – e muito – sua comunicação via redes sociais e WhatsApp, que vem levando um banho da concorrência.

Tanto Jair Bolsonaro quanto Haddad garantiram que não irão propor uma ampla revisão da Constituição Federal, caso eleitos, em entrevista à TV Globo, na noite desta segunda. Com apenas duas perguntas bem focadas para cada, mais do que uma entrevista, o que o Jornal Nacional cobrou deles foi um atestado de que defenderiam a atual Carta Magna.

Haddad afirmou que desistiu da ideia presente em seu programa de governo de convocar uma Assembleia Constituinte e deve solicitar mudanças via propostas de emendas ao Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, desautorizou José Dirceu, que havia falado sobre um projeto de tomada de poder. Haddad disse que o ex-ministro não faz parte de sua campanha e nem fará parte do governo.

Já Jair Bolsonaro desautorizou o candidato a vice em sua chapa, o general Hamilton Mourão, duas vezes: primeiro, sobre sua ideia de substituir a atual Constituição por um texto feito por um grupo de "notáveis", que não precisariam ser eleitos, ao contrário do que acontece em uma Constituinte. E por Mourão ter defendido a hipótese de um "autogolpe" de um presidente apoiado pelas Forças Armadas caso considere que a situação social ficou anárquica. "Ele é general e eu sou o capitão, mas eu sou o presidente", disse.

Interessantemente, ele confundiu o nome do vice, chamando-o de "Augusto Mourão" duas vezes. Augusto Heleno é outro general da reserva, filiado ao PRP, que Bolsonaro convidou para vice, mas seu partido rejeitou uma coligação.

Bolsonaro segue dando acenos à governabilidade e, contraditoriamente, alertando para o risco de caos. As repetidas declarações sobre a lisura do processo eleitoral, levantando suspeitas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, tem desagradado ministros do Supremo Tribunal Federal e atiçado sua militância, que organiza protestos contra a Justiça Eleitoral. Isso vai no sentido contrário a outra declaração que deu à Globo, de que quer "um governo com autoridade e sem autoritarismo, por isso nos submetemos ao sufrágio popular". Esse tipo de questionamento não combina com alguém que está muito perto da Presidência da República.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.