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Leonardo Sakamoto

Da eleição ao cotidiano: o assédio via WhatsApp e redes será arma política

Leonardo Sakamoto

25/11/2018 23h35

O que acontecerá se o diálogo político for substituído por coação digital contínua no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas e Distrital? Qual será a reação se alguns deputados, senadores, governadores ou mesmo o futuro presidente acharem que podem jogar seus seguidores para ameaçar parlamentares da oposição ou assediarem de forma indevida os da sua própria base a cada nova proposta de seu interesse em trâmite no Congresso, usando WhatsApp e redes sociais? Aliás, não apenas seguidores, como também consultorias contratadas para disparar milhões de mensagens por dia. O que acontece se alguém decidir exercer seu mandato usando ataques digitais como se ainda estivesse em campanha?

Discute-se, neste momento, a tentativa de Jair Bolsonaro de criar uma base de apoio em cima de bancadas temáticas, como a ruralista, a do fundamentalismo religioso e a corporativa de agentes da segurança pública. Some-se a ela uma bancada das associações médicas e empresas de planos de saúde. É cedo, porém para afirmar que ele conseguirá ignorar a negociação com os partidos tradicionais e seus líderes e tratar diretamente com esses grupos de interesse. Ainda mais porque eles perderam nomes fortes, que sabiam operar no Congresso, especialmente a ruralista.

Convencer milhões de seguidores nas redes sociais a votarem em alguém é bem mais fácil do que fazer com que lideranças partidárias coloquem as pautas do governo na agenda de votações e entreguem votos necessários para aprová-las em assuntos que fogem aos interesses das bancadas temáticas. Esse público de 513 deputados e 81 senadores não se manipula tão facilmente.

E pressionar políticos via bullying de redes sociais pode ter o efeito contrário. Afinal, 2019 não é ano de eleição para que deputados e senadores se preocupem tanto assim com a imagem pública.

Isso sem contar que, quando a Reforma da Previdência começar a ser discutida, por exemplo, pode ser que ocorra o caminho inverso: muitos dos seguidores desses parlamentares eleitos com a ajuda das redes irão pressioná-los para que não apoiem mudanças que dificultem a aposentadoria de determinadas categorias profissionais e grupos sociais. Como esses políticos vão reagir a isso é outra incógnita.

A propaganda contínua teve um papel fundamental para manter o controle do partido nazista sobre a Alemanha após sua ascensão ao poder por via eleitoral. Oitenta anos depois, a máquina de manipulação do debate público montada por Donald Trump em sua administração ajuda no suporte ao governo por parte de seus eleitores, atuando para anular a influência de investigações e denúncias por parte da imprensa. Não somos nem a Alemanha da década de 1930, nem os Estados Unidos de hoje.

Mas uma coisa é a justa pressão e o desejável monitoramento por parte dos eleitores ou mandatos em que o eleitor é consultado a todo o momento por seu representante para a tomada de decisões e construção de políticas. Outra é usar o eleitor como massa de manobra, fomentando a violência digital como instrumento da política diária. Vai ser interessante ver como essa nova forma de política consegue ter sucesso e, ao mesmo tempo, resistir no teste da democracia.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.