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Leonardo Sakamoto

Moro, Toffoli e o lobby: Brasil trata unha encravada fingindo não ter dedo

Leonardo Sakamoto

15/12/2018 04h05

Foto: Luis Moura/Estadão

Duas vezes nesta semana, o futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, defendeu a regulamentação do lobby político no Brasil. "É melhor regulamentar do que ser feito às sombras como é hoje."

Do outro lado, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, afirmou que a regulamentação da atividade poderia gerar um novo tipo de caixa 2 para campanhas eleitorais. "Sou absolutamente contra, acho antidemocrático." Comparou a atividade com a de um despachante que atua para burlam as leis.

Pressão e articulação para defender os interesses de um grupo social, político ou econômico junto ao Estado existe e sempre existiu em qualquer lugar do mundo. Faz parte do jogo democrático que grupos incidam politicamente, através do diálogo ou da pressão, com governos e parlamentos, pela mudança, manutenção ou julgamento de leis ou a execução de ações que beneficiem seus representados.

O que não faz parte é isso envolver somas de dinheiro ou troca de favores para que políticos, juízes, funcionários públicos coloquem o Estado a serviço de quem quer que seja.

O problema é que, mesmo proibida, a atividade lobby existe em Brasília sob outros nomes. Para citar apenas três exemplos que atuaram fortemente nos bastidores do Judiciário, do Legislativo e do Executivo, neste ano, tivemos o lobby das empresas produtoras e comercializadoras de amianto – produto relacionado ao desenvolvimento de câncer. O lobby da indústria farmacêutica contra a quebra de patente de medicamento para o tratamento da Hepatite C, o que impede a produção, pelo país, de genérico com custo muito mais baixo. E o lobby dos agrotóxicos, para afrouxar as regras relacionadas ao controle e denominação desses produtos químicos.

Mas como a atividade de lobby e a função de lobista não são regulamentadas no Brasil, é comum membros dos Três Poderes e servidores públicos receberem quem quiserem, da forma que acharem mais conveniente, na surdina, sem que isso passe por uma prestação de contas à sociedade. E essa falta de transparência ajuda a criar monstros como os escândalos de corrupção. Com isso, descobrimos determinadas relações espúrias quando elas já drenaram os cofres públicos ou fizeram com que a máquina servisse aos interesses particulares de alguém.

Associações empresariais, sociais ou sindicais raramente fazem visitas de cortesia a deputados e ministros do STF. Há interesses envolvidos nessas conversas que deveriam ser expostos à coletividade.

Projetos e discussões para regulamentar a atividade no Brasil, alguns beirando o ridículo de se fazer apenas um cadastro e uma carteirinha para identificar o profissional envolvido, já foram apresentados no Congresso Nacional. Fazer um crachá é uma solução tão boa quanto montar uma comissão para resolver um problema. E, como sabemos, o Brasil adora um crachá. E uma comissão. Porque é a forma de resolver sem resolver nada por aqui.

Defendo há anos, neste espaço, a regulamentação como forma de aumentar a transparência e impor regras para a esbórnia que existe hoje. Regulamentar o lobby significa dizer o que se pode e o que não se pode fazer. E estipular formas de publicizar obrigatoriamente essas ações e encontros.

Um lobista do setor sucroalcooleiro visitou o ministro-chefe da Casa Civil? Que seja colocada na página do ministério o motivo da reunião, os presentes e o que foi discutido e não apenas uma linha de agenda, quando muito.

Um ex-presidente/ governador/ prefeito /senador /deputado /vereador foi recebido por alguém que defendeu algum interesse específico de movimentos sociais ou sindicatos? Que se dê plena publicidade disso.

Um lobista do setor de rádio e TV ou da área de telecomunicações foi tomar chá com biscoitos com o ministro responsável pela área das Comunicações? Que fique claro quanto tempo durou e o que foi discutido no encontro além do sabor dos amanteigados, se ingleses, holandeses ou dinamarqueses.

Um outro do setor automobilístico conversou com um presidente de comissão da Câmara dos Deputados? Que as respostas para "quem, quando, como, onde, o que, por que e com quem" estejam disponíveis no site do parlamento sem demora.

E se alguém não publicar a informação estará incorrendo em falta grave, passível de punição à empresa, ao grupo representado ou ao político ou funcionário público envolvido. E em caso de desvio de conduta (como o pagamento de propina), os envolvidos seriam alvo de investigação, processo público e condenação, sob regras duras.

Hoje, há um entra e sai tão grande de "interesses" nos gabinetes que faz parecer que a única diferença entre "público" e "privado" é que uma é palavra proparoxítona e a outra não.

E, repetindo, isso valeria para todos os setores: empresas, associações, sindicatos, movimentos sociais, organismos internacionais, organizações não-governamentais. Afinal, é nosso interesse que está envolvido e os políticos eleitos com nossos votos e os servidores públicos não têm direito de guardar sigilo sobre isso.

Países como os Estados Unidos autorizam o lobby, mas têm regras específicas sobre o tema. Isso significa que as coisas não descambam para corrupção por lá? Longe disso. Mas a situação fornece, ao menos, instrumentos de fiscalização.

Quem já assistiu ao filme "Obrigado por fumar" (Thank You for Smoking, 2006), que satiriza a indústria do tabaco e as associações de lobby do petróleo ou das armas que atuam nos Estados Unidos, sabe o que é o discurso da defesa do indefensável. Isso não vai deixar de existir, mas deveria, ao menos, ser público.

O roteirista da pornochanchada chamada "Brasil" é tão nonsense que, enquanto o cabaré pega fogo, ele faz com que os clientes e os funcionários continuem como se nada estivesse acontecendo.

Gosto também daquelas metáforas envolvendo saúde – um dos lobbies mais poderosos: ignorar que uma unha espeta a carne, escondendo-a sob a meia e o sapato, não faz ela desencravar.

Pelo contrário. Infecciona.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.