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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro é tudo o que Maduro precisava. E vice-versa

Leonardo Sakamoto

21/12/2018 11h05

Fotos: Carlos Becerra/Bloomberg e Gabriela Korossy/Agência Câmara

Para se tornar um "herói", você precisa ter um "vilão", algo que cause medo na população, que contará contigo para salvá-la. Durante anos, a extrema direita brasileira espalhou medo sobre Cuba e Venezuela, como se ambos fossem as principais ameaças à nossa democracia – a despeito do desemprego, da violência urbana e rural, das filas em hospitais, da baixa qualidade da educação, da falta de saneamento básico, do déficit habitacional, do trabalho mal remunerado e sem direitos… Com isso, esses nomes tornaram-se xingamentos, significando o que há de pior para uma parcela do povo.

A retórica de Jair Bolsonaro, família e aliados, de repetir a cada cinco minutos na campanha e depois de eleito que seus adversários querem "transformar o Brasil numa Venezuela", e todas as críticas que cabe nesse guarda-chuva, acabou sendo uma mão na roda para o regime autoritário e violento de Nicolás Maduro. Agora, ele pode usar as declarações do presidente eleito brasileiro e amigos para mostrar que o risco de ataque por parte de vizinhos da América do Sul com a ajuda dos Estados Unidos é uma realidade – mesmo que o próprio Bolsonaro tenha descartado isso.

"A Venezuela não é o Brasil. Aqui não vai ter um Bolsonaro. Aqui será o povo e o chavismo por muito tempo. Bolsonaro aqui não teremos nunca, porque nós construímos a força popular", declarou Maduro nesta quinta (20).

Denunciando um conspiração para apeá-lo do poder, chamou o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, de "louco da cabeça", por ter afirmado que seu governo estava chegando ao fim e criticado sua reeleição. "Aqui lhe espero, com milhões de homens e mulheres e com a Força Armada. Aqui lhe espero, Mourão, venha pessoalmente."

Convidar e desconvidar representantes desses países para a posse de Bolsonaro acaba fazendo parte dessa valsa. Os seguidores de ambos os governantes vibra a cada lance desse. O resto da população, inclusive os refugiados que fogem da tragédia social na Venezuela, apenas suspiram diante dessa "parceria" que desponta no horizonte.

Para se tornar um "herói", você precisa ter um "vilão", algo que cause medo à população. Isso vale para os dois lados. Se o discurso de Maduro ajuda a Bolsonaro a mostrar que a "ameaça vermelha" é real, por mais que não passe de bravata de ditador, por outro lado, o discurso de Bolsonaro ajuda a Maduro a mostrar que seus avisos para o risco de uma invasão externa são reais e, com isso, reforçar seu próprio poder.

Perceberam a simetria? Maduro e Bolsonaro se alimentam mutuamente. Gritam um contra o outro para suas plateias, enquanto internamente vão tocando cada qual uma agenda. Não me espantaria que, em segredo, já tenham tudo bem combinado.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.