"Casamento" de Bolsonaro e Paulo Guedes começa a ter suas primeiras DRs
Uma das perguntas mais direcionadas a Bolsonaro nas entrevistas e sabatinas durante as eleições é o que aconteceria se ele e Paulo Guedes batessem de frente, já que o então candidato reconheceu que não entendia de administração econômica, não conseguia aprofundar nenhuma proposta para a área e já havia dito que iria entregar as decisões a ele, seu "Posto Ipiranga".
O então deputado federal garantia que o "casamento" entre os dois seria sólido, que não iriam se desentender nunca, mas que, no fim, a última palavra seria de quem teve voto. "O único insubstituível nessa história sou eu", sintetizou.
Após o que aconteceu nesses últimos dias, a relação deve passar por uma DR, a conhecida discussão de relacionamento.
Na noite de quinta (3), Bolsonaro afirmou, em entrevista ao SBT, que o governo iria propor uma idade mínima para a aposentadoria de 62 anos (homens) e 57 anos (mulheres). Não explicou se isso dizia respeito ao serviço público ou ao regime geral ou se essas são idades iniciais ou finais de uma transição.
Quem acompanha as declarações dele e de seus filhos sobre a Previdência Social sabe que defendem uma proposta geral mais amena e uma situação diferenciada para determinadas categorias de trabalhadores, principalmente os ligados a atividades braçais ou de risco, como policiais. O tema é extremamente delicado para sua base eleitoral, seja ela corporativa, seja um grande naco das classes médias baixa e alta. Ao mesmo tempo, a declaração fez disparar o coração de membros de sua equipe econômica – que desejam ver o projeto com idades mínimas de 65/62 anos aprovado, sem exceções.
O ministro-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni teve que, diante de um mercado surpreso, usar de sua criatividade para convencer que o presidente usou os números apenas para enfatizar que seria uma mudança suave. Guedes e equipe terão trabalho para convencê-lo que a Reforma da Previdência, em sua opinião, irá destrancar investimentos, aquecer a economia e gerar empregos. Vão lembrá-lo que, com o país funcionando, Bolsonaro terá mais liberdade para implementar sua pauta ultraconservadora de costumes, seu xodó.
Na manhã desta sexta (4), em uma coletiva, o presidente afirmou que havia assinado decreto para aumento da alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) a fim de compensar a prorrogação dos incentivos fiscais para a Sudam e a Sudene – aprovada durante o governo passado e deixada para ele sancionar, ou seja, uma bomba que caiu no seu colo. Também disse que iria reduzir a maior alíquota do Imposto de Renda de 27,5% para 25%.
Isso gerou um barata-voa na equipe econômica, levando a uma reunião de emergência no Palácio do Planalto, a um desmentido de ambas mudanças por parte do secretário de Receita Marcos Cintra e a uma constrangedora coletiva de imprensa com Onyx Lorenzoni, que teve que buscar palavras lá no fundo para convencer a todos que o presidente apenas se "equivocou". Eufemismo para evitar dizer que o presidente não entende o que está acontecendo.
Por fim, Bolsonaro disse que reconhecia a importância da venda da Embraer para a Boeing (essa história de joint venture serve apenas para dourar a pílula, é venda mesmo), mas que tem que ver melhor esse negócio aí, tá ok?
Disse que a empresa precisa ganhar competitividade, mas sem perda de "nosso patrimônio" – não quer que a Boeing possa adquirir, no futuro, a totalidade da Embraer. Uma das grandes críticas dos opositores ao negócio é que a gigante internacional vai absorver a tecnologia para construção de aviões de médio porte da empresa nascida em São José dos Campos, hoje uma das líderes mundiais nesse setor, e partir – deixando para trás postos de trabalho, inclusive.
Vale lembrar que Guedes e equipe querem impor um amplo programa de privatizações, vendendo tudo o que for possível e usar os recursos para reduzir a dívida pública, mas Bolsonaro deve frear isso, analisando o que é "estratégico" e o que não é.
Onyx, novamente, fez o papel de porta-voz do presidente, justificando que ele tem o direito de zelar por nossos interesses estratégicos.
O caso do IOF e do Imposto de Renda mostram que o mesmo governo que faz e arrebenta nas redes sociais é mirim na comunicação interna – perdido entre promessas de campanha (não aumentar impostos), o medo de desagradar setores econômicos e a necessidade de recursos para a gestão do país. O mesmo não pode ser dito sobre as questões da Reforma da Previdência e da Embraer. Nesse casos, a confusão surge quando Bolsonaro age por conta própria, apoiado por seu círculo próximo, sem a tutela do Posto Ipiranga.
Durante a campanha eleitoral, a falta de experiência política de Guedes e de noções de administração pública e econômica de Bolsonaro geraram algumas bateções de cabeça, como no caso das propostas para redução das alíquotas do IR e do retorno da taxação sobre dividendos recebidos por acionistas de empresas. O Posto Ipiranga acabou fechado temporariamente para o público.
Como muitos gostam de um autoengano, entregaram seu apoio ao ex-deputado, com quase 28 anos de trajetória estatista e nacionalista, por conta de seu discurso de que era outro homem e da existência de um avalista neoliberal. Acreditam que o "casamento" vai durar, ao menos, por quatro anos ou até as reformas e privatizações ocorrerem.
Bolsonaro lembra que o insubstituível é ele. Fato. E, portanto, é sua a última palavra, apesar das promessas de "carta branca" aqui e ali. Mas nomes como Paulo Guedes, Sérgio Moro e Augusto Heleno são praticamente indemissíveis, fiadores da gestão. Paradigmático, nesse contexto, o silêncio do ministro da Economia, que cancelou compromissos, nesta sexta, depois das confusões. A DR vai ser longa.
Independente de como vão tocar esse relacionamento, seria bom resolverem-se internamente e, só depois, comunicarem ao público. Pessoas, empresas e organizações tomam decisões para seu presente e futuro baseadas em declarações do governo federal, precisam de fatos concretos para não perderem dinheiro. Se não puderem confiar na veracidade delas, então o próprio governo se torna nocivo à sociedade.
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