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Leonardo Sakamoto

Promoção de filho de vice no BB pode não ser ilegal, mas é imoral

Leonardo Sakamoto

08/01/2019 18h59

O presidente Jair Bolsonaro, Levy Fidelix e o vice Antonio Hamilton Mourão. Foto: Rafael Hupsel/Folhapress

O filho do vice-presidente Hamilton Mourão será assessor especial para a área de agronegócio de Rubem Novaes, novo presidente do Banco do Brasil. Antonio Hamilton Rossell Mourão que ganhava cerca de R$ 12 mil mensais vai triplicar a remuneração. Ele é funcionário de carreira do banco há 18 anos.

O argumento usado tanto por Mourão pai quanto por Novaes é que a escolha foi técnica e ele apenas não tinha sido promovido antes porque foi ameaçado e perseguido nas administrações anteriores. Ou seja, PT e MDB.

"Quando o vento era outro, ele era prejudicado. Agora, que o vento é a favor, ele foi favorecido por suas qualidades", disse o vice à Folha de S.Paulo. "O que é de se estranhar é que não tenha, no passado, alcançado postos mais destacados no Banco", afirmou Novaes em nota divulgada pela instituição.

A menos que se prove que houve um pedido do vice-presidente da República para o favorecimento de seu filho, ele não pode ser cobrado por nepotismo. Não indicou "parente para desempenhar a mencionada função", conforme decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou que nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta até o terceiro grau viola a Constituição Federal. Também não há elementos para afirmar que a indicação do presidente do BB estaria condicionada a essa, o que seria uma forma de nomeação cruzada.

Contudo, a impessoalidade e a moralidade são princípios da administração pública, de acordo com a lei 8429/1992, e devem ser seguidas também por empresas de economia mista controladas pelo governo, como é o caso. O Ministério Público Federal poderia, portanto, verificar se essa indicação, que representa um salto na carreira de Hamilton Rossell, foi uma tentativa de agradar o vice-presidente por parte da nova presidência do Banco do Brasil ou realmente obedeceu a critérios técnicos. Não é implicância: o questionamento sobre a razão da indicação vai permanecer junto à opinião pública até que o caso tenha sido verificado por uma instituição independente. Não basta um eleito pelo voto popular se afirmar honesto, é necessário evitar situações que possam colocar isso em dúvida.

Mourão-pai, contudo, deveria ser questionado sobre a justificativa que deu à imprensa, acusando gestões passadas de perseguição política e ideológica a seu filho. Seria saudável se ele fornecesse detalhes disso para que a máquina pública fosse passada a limpo. Quem perseguiu? Com que intenção? Como disse o próprio Bolsonaro, exatamente na posse dos presidentes dos bancos públicos, nesta segunda (8), "transparência acima de tudo. Todos os nossos atos terão que ser abertos para o público. E o que aconteceu no passado também".

A palavra nepotismo vem do latim "nepote", que significa neto ou sobrinho, e ela começou a ser utilizada para designar os privilégios que os papas concediam a seus familiares. A solução para esse problema passa por reduzir o número de cargos de confiança, garantindo que o acesso a mais e mais funções não se dê por indicação. Cria-se, dessa forma, um corpo burocrático permanente de qualidade, independente do poder de plantão. Mas isso, que deveria estar pacificado na segunda década do século 21, ao que parece, ainda não recebe a devida atenção por governos de diferentes matizes ideológicos.

Por fim, uma curiosidade: em 2000, um deputado federal defendeu apenas "limitar" as indicações de familiares, criando uma "cota" para o número de familiares que poderiam ser contratados como cargos de confiança no serviço público. "Poder contratar para as funções um ou dois parentes não é escandaloso", afirmou.

Deixou de ser deputado federal tempos depois. E tornou-se vice e, depois, presidente da República, tendo transferido o cargo em Primeiro de Janeiro ao seu sucessor.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.