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Leonardo Sakamoto

Após resgate de oito pessoas, fazendeiro é preso por trabalho escravo no PA

Leonardo Sakamoto

25/01/2019 13h04

Local de alojamento dos trabalhadores era, antes, usado para criação de caprinos. Foto: Divulgação/Fiscalização

Oito pessoas foram resgatadas do trabalho escravo em Medicilândia, município paraense a 900 quilômetros da capital Belém, em operação realizada por auditores fiscais do trabalho do ministério da Economia em conjunto com servidores do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e da Polícia Militar. Dois dos resgatados tinham 16 e 17 anos.

De acordo com o coordenador da operação, o auditor Magno Riga, os trabalhadores estavam em situação de servidão por dívida, sendo obrigados a comprar alimentos e outros itens básicos da venda do patrão, com preços acima dos praticados na região. "Em todos esses anos em que atuo no combate ao trabalho escravo, nunca vi um caso de servidão por dívida ser praticado de forma tão aberta e agressiva", afirma.

Permanecendo endividados, não recebiam salários, apenas pequenas quantias sem regularidade. Os saldos a pagar com o empregador chegavam a R$ 10 mil. Segundo o coordenador da operação, "foram retidos 32 cadernos com anotações de dívidas e encaminhados à Polícia Federal".

A fazenda Bom Jesus, de Carlos Gonçalves Guimarães, é voltada à produção de gado para corte e está localizada próxima à Reserva Extrativista "Verde para Sempre" e às margens do rio Jarauçu. A operação, realizada entre 15 e 24 de janeiro, conduziu o empregador à delegacia da Polícia Federal, em Altamira, tanto pelo flagrante de trabalho análogo ao de escravo quanto pela posse ilegal de armas de fogo. De acordo Magno, os trabalhadores afirmaram que o empregador os ameaçava com duas espingardas – uma calibre 12 e outra, 28. "Ele disse que gosta de matar gente no facão, não na espingarda", teria dito os trabalhadores à fiscalização.

Durante o percurso para Altamira, o empregador ainda tentou subornar os servidores públicos, segundo a fiscalização, fazendo uma proposta que foi gravada. Primeiro, ofereceu R$ 5 mil, depois R$ 10 mil. Ele também responderá por corrupção.

A reportagem tentou contato duas vezes com a advogada do empregador, mas sem sucesso. Incluirá o posicionamento dela assim que obtiver resposta.

De acordo com a fiscalização, sete trabalhadores atuavam no roço da juquira [limpeza de pasto] há quase um ano e dormiam em um local usado para criação de bodes e cabras. Não tinham acesso à água potável, utilizando a água colhida do rio e armazenada em embalagens usadas de agrotóxico para preparara comida, tomar banho, lavar roupa e matar a sede.

Não havia equipamentos de proteção individual e os adolescentes resgatados também atuavam na aplicação de produtos químicos. Compravam do empregador arroz, feijão, óleo, sal, mas pescavam para complementar. O oitavo trabalhador era vaqueiro e estava acompanhado de sua família, estando a dois meses no serviço. Todos foram atraídos por promessas falsas de bons salários e condições dignas de serviço.

De Altamira até fazenda, são aproximadamente 130 quilômetros, que dependendo da estrada utilizada, na época de chuva, pode consumir de 5 a 13 horas por carro. Como os únicos a terem veículos eram o empregador e os madeireiros que operam na região, os trabalhadores tinham apenas o rio como meio de transporte, permanecendo isolados.

A Justiça Federal decretou a prisão preventiva do empregador. A fiscalização demandou que ele acertasse os salários, as verbas rescisórias e os direitos devidos, mas até agora nem todos os pagamentos foram feitos. O montante calculado é de R$ 135 mil.

Criado em 1995, o sistema nacional de combate ao trabalho escravo resgatou mais de 53 mil pessoas em operações de fiscalização em fazendas de gado, soja, algodão, frutas, cana, carvoarias, canteiros de obras, oficinas de costura, bordeis, entre outros, desde então. Nesse período, o problema deixou de ser visto como algo restrito a regiões de fronteira agropecuária, como a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal e passou a ser preocupação também em centros urbanos.

Os trabalhadores usavam a água colhida do rio e armazenada em embalagens usadas de agrotóxico para preparar a comida, tomar banho, lavar roupa e matar a sede. Foto: Instagram @trabalhoescravo – Divulgação/Fiscalização

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.