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Leonardo Sakamoto

"Mudança permite execução sumária e não reduz violência", diz Freixo

Leonardo Sakamoto

04/02/2019 14h50

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Entre as propostas de mudanças legislativas contra a corrupção e o crime organizado apresentadas pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, nesta segunda (4), está a alteração do artigo 25 do Código Penal, que trata das situações em que a legítima defesa se aplica. Diz a lei vigente que "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". No projeto de Moro, acrescenta-se como inciso I do parágrafo único, que isso também vale para "o agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem".

A mudança "vai facilitar a execução sumária por parte das forças de segurança, que já não é pequena na história deste país, abatendo cada vez mais gente, sem reduzir a violência", afirma o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). Para ele, "não é bom o caminho da subjetividade na segurança pública". Prevenir um risco iminente de conflito armado pode, de acordo com sua análise, ser interpretado como a permissão para o "abate" de criminosos que estejam portando fuzis.

A medida tem sido defendida pelo governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel. "Espero que o Congresso Nacional aprove uma lei antiterrorismo que enquadre os traficantes como terroristas para que eles possam ser abatidos de fuzil e a gente possa, de vez, encerrar essa polêmica. Já falei [com Bolsonaro] e estamos trabalhando nisso. Ele deve encaminhar para o Congresso, e nós vamos apoiar", afirmou o Witzel, em janeiro, após tomar posse.

Sérgio Moro negou que a legislação autorize esse "abate" de suspeito e afirmou que "não existe nenhuma licença para matar" e que quem afirma isso está equivocado. "Na verdade, estabelece uma situação de conflito armado ou um risco iminente. Então acho que o policial não precisa esperar levar um tiro para ele poder tomar alguma espécie de reação, o que não significa que se está autorizando que se cometa homicídios indiscriminadamente".

Contudo, para Marcelo Freixo, com a aprovação da medida, a letalidade das forças policiais tende a aumentar e, consequentemente, o tráfico ficará mais violento, buscando armas mais poderosas, acirrando a ideia de guerra. A mudança eficaz, segundo ele, passaria por desenvolver e integrar a inteligência dos órgãos de segurança, como polícias estaduais e federal e Forças Armadas, com o objetivo de cortar o fornecimento de armas e munições. "Porque não se fez outra coisa nos últimos anos a não ser abater pessoas nas favelas." Freixo presidiu a CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio, que resultou no indiciamento de 225 pessoas e em ameaças contra a sua vida. Também presidiu a CPI do Tráfico de Armas e Munições.

O pacote também propõe alterações no artigo 23 do Código Penal, que trata da exclusão de ilicitude: "não há crime quando o agente pratica o fato: em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Hoje, prevê-se que "o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo". A proposta acrescenta que "o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção." O que representa mais subjetividade.

A proposta de alteração de Moro vai ao encontro do posicionamento de Jair Bolsonaro que, em 14 dezembro de 2017, defendeu o relaxamento de regras para agentes de segurança. "Nós vamos brigar pelo excludente de ilicitude. O policial militar em ação responde, mas não tem punição. Se alguém disser que quero dar carta branca para policial militar matar, eu respondo: quero sim. O policial que não atira em ninguém e atiram nele não é policial. Temos obrigação de dar retaguarda jurídica a esses bravos homens que defendem nossa vida e patrimônio em todo Brasil".

No dia seguinte, diante da repercussão negativa, afirmou que foi mal compreendido: "eu não quero dar carta branca pro policial matar, eu quero dar carta branca pro policial não morrer. E, se para não morrer, tem de matar, que faça o seu serviço".

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.