No Carnaval, a rua avisa que o atraso terá que suar a camisa para se impor
Quem não foi à rua exorcizar seus anjos e demônios neste Carnaval talvez não saiba que o PSL conseguiu lançar tendência nos blocos de rua, cravando o laranja como a cor de Momo. Credita-se a estilistas como Fabrício Queiroz e Gustavo Bebianno o sucesso do partido, que fez a alegria dos foliões.
Jair Bolsonaro também foi amplamente lembrado em blocos por todo o país, o que seus fãs e seguidores consideraram como uma afronta e um desrespeito. Pois, na opinião de muitos deles, apenas os presidentes petistas deveriam ser convocados a tomar no cu. Um amigo, liderança no movimento LGBTT, discorda veementemente das cantorias. Não só pela agressividade, mas porque a maioria dos políticos não mereceria, segundo ele, tal felicidade. Ou como cantaram em mais de um bloco: "vai tomar polícia, porque tomar no cu, eu te garanto, é uma delícia".
Reclamar que blocos e escolas de samba tenham assumido um caráter de crítica política e social é ignorar a história das festas populares. Carnaval é contestação e subversão. Não é a contestação do beijo forçado, da nudez como produto e do obscurantismo punheteiro, que apenas deseja reproduzir – durante o feriado – o cotidiano de nossa sociedade violenta. Mas a contestação do machismo, fazendo-o entender plenamente o significado da palavra "não" e deixando claro que mulheres têm o mesmo direito de nós, homens, de andar com o peito nu sob o sol.
Quando é pasteurizada, transformada em produto, empacotada e vendida, a contestação tende a ser domesticada e pode perder o que tem de melhor: lembrar a nós mesmos como somos ridículos, impondo ridículos padrões aos nossos semelhantes, sujeitando minorias a ridículas tradições, seguindo ridículos profetas que estão nas TVs e nas redes sociais.
O Carnaval, portanto, não é apenas a arte da libertação. É também a do incômodo.
Como lembrar, em muitas das festas, que o Estado brasileiro foi incompetente para apontar quem são os responsáveis pela execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, que completa um ano em 14 de março.
Espero, sinceramente, que muitas pessoas nem venham a ler este texto porque estarão cansadas demais após o bloco, o desfile, o almoço com a família, o churrasco com os amigos, tendo queimado ou ganhado calorias nos dias que antecedem a Quarta-feira de Cinzas, ou seja, o Ano Novo.
Piadas, ironias, sarcasmos no Carnaval podem não mudar o comportamento do poder, seja político ou econômico. Principalmente quando ele está determinado a cercear a dignidade alheia. Mas servem para que possamos perceber que não somos os únicos a questionar as suas atitudes – condição necessária para o sucesso de qualquer resistência à perda de direitos por sermos quem somos ou amarmos quem amamos.
E, junto com os elementos libertário e solidário da festa, lembrar que apesar de toda gritaria ultraconservadora, o retrocesso vai ter que suar a camisa para se impor. Bem mais do que um folião seguindo um trio elétrico ou uma fanfarra, cantando sua liberdade, em algum canto do país.
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