Bolsonaro tem que aceitar que democracia não é concessão das Forças Armadas
Em mais uma frase de efeito que mobiliza seus fãs e cria polêmica nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que só existe democracia e liberdade se as Forças Armadas "quiserem". A declaração foi dada na cerimônia do 211º aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro, nesta quinta (7).
A simples sugestão de que Exército, Marinha e Aeronáutica possam agir de acordo com suas vontades e não as dos Três Poderes é uma afronta à Constituição Federal.
Quando as Forças Armadas cumprem suas responsabilidades dentro de limites e competências constitucionalmente atribuídos, há democracia e liberdade. Mas a partir do momento em que intervêm para "corrigir" os rumos do país, de acordo com a opinião de seu comando, passando por cima das posições manifestadas pelos representantes eleitos pela população, democracia e liberdade vão para o vinagre.
O governo federal conta com oito ministros oriundos das Forças Armadas – um número alto mesmo em comparação aos gabinetes dos ditadores brasileiros entre 1964 e 1985. Mas eles têm desempenhado o papel mais sensato e comedido da administração Bolsonaro, contrastando com o histrionismo de uma ala ultraconservadora. Alguns servem, inclusive, de conselheiros para o presidente. E, acreditem, ele precisa de conselhos.
As Forças Armadas de hoje não são as mesmas da última ditadura, da mesma forma que os contextos nacional e internacional são outros. Seus comandantes têm confirmado que a liderança do país é e será civil. Segundo os oficiais da ativa, o respeito às liberdades individuais e às instituições continuará, sem intervenções ou golpes.
Isso não exime seus quadros de críticas, principalmente quando dão declarações que nada contribuem com o bom funcionamento das instituições democráticas. O então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, um quadro considerado sensato e ponderado, cometeu duas falhas graves. A primeira em abril, às vésperas do julgamento do habeas corpus solicitado pela defesa do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal, quando afirmou em sua conta no Twitter: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais".
Depois completou o raciocínio em uma segunda mensagem: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?" Sua declaração, além de ter representado inadmissível pressão indevida, foi vista como uma chantagem à corte.
A segunda foi, durante as eleições, quando disse que o atentado contra Jair Bolsonaro poderia levar o futuro governo a ter dificuldade em garantir estabilidade e governabilidade, "podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada". Mesmo que ele, ao longo da entrevista, tenha confirmado que as Forças Armadas continuarão a desempenhar seu papel democrático, independentemente do resultado das eleições, a conjectura em sua declaração apenas lançou mais combustível no contexto incendiado das eleições presidenciais. A declaração do general não era uma sentença do que acontecerá, mas ajudou na formação do entendimento de que se o resultado das eleições não fosse o que alguns grupos esperavam, elas poderiam ser questionadas. Isso em nada contribui para a "necessidade de pacificação do país", que ele afirma ser sua preocupação.
Não foi o único. Em setembro do ano passado, o então candidato a vice-presidência da República, general Hamilton Mourão, admitiu que, na hipótese de um presidente da República considerar que o país entrou em situação de anarquia, ele pode dar um "autogolpe" com o apoio das Forças Armadas.
Um ano antes, ele já havia levantado polêmica ao afirmar, em uma palestra, que seus "companheiros do Alto Comando do Exército" entendiam que uma "intervenção militar" poderia ser adotada se o Poder Judiciário "não solucionasse o problema político", no caso, a corrupção.
Uma das diferenças entre um governo militar e um civil é que, no civil, os militares que desejam participar do jogo político, expressando-se dessa forma, devem fazê-lo pela via eleitoral. Pois palavras como essas, ao invés de trazer tranquilidade, apenas acrescentam mais ansiedade a um país ultrapolarizado. Hoje, Villas Bôas faz parte do governo Bolsonaro, no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Mourão é vice-presidente, adotando um comportamento moderado e diplomático. Fazem parte da reserva e assumiram cargos públicos, o que é do jogo.
Repito: ninguém questiona a importância das Forças Armadas e o papel que elas cumprem em uma democracia. Mas os governos civis pós-1988 distanciaram os militares do processo decisório do país não apenas por traumas do passado, mas também por uma visão de democracia próxima do voto e distante dos quartéis.
O presidente foi reformado como capitão do Exército e se tornou político. É um presidente civil. Não deveria, portanto, afirmar que seu comando só existe por uma concessão dos militares, quando é uma decisão única e exclusivamente dos eleitores.
Post atualizado às 16h30, do dia 07/03/2019, para inclusão de informações.
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