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Leonardo Sakamoto

Caos no ministério da Educação vai empurrando futuro do país com a barriga

Leonardo Sakamoto

16/03/2019 18h58

Jair Bolsonaro e Ricardo Vélez Rodríguez

Não há a mínima possibilidade do Brasil superar a pobreza e a desigualdade social e dar um salto em produtividade sem priorizar a Educação. Tendo essa obviedade em vista, a impressão é de que o governo Jair Bolsonaro joga contra o futuro do país ao permitir que o ministério da Educação seja a Casa da Mãe Joana.

Ao invés de indicar alguém à altura e com experiência no trato com a coisa pública, ele atendeu a pressões de grupos fundamentalistas e descartou profissionais qualificados por questões religiosas. Queria alguém que pudesse transformar em política pública educacional sua cruzada em nome da tradição, da família e da propriedade.

Aceitou, como sugestão do escritor e astrólogo Olavo de Carvalho, o nome de Ricardo Vélez Rodríguez – um desconhecido professor universitário. O guru da família Bolsonaro ainda emplacou ex-alunos do curso que afirma ser de filosofia para cargos no ministério.

Desde então, a área de Educação não apresentou nenhum grande projeto. Trouxe à tona a ideia de implementar uma "Lava Jato da Educação", que poderia ser interessante se houvesse uma proposta sólida, com objetivos. Mas, ao que tudo indica, é apenas um documento para atingir o adversário derrotado de Bolsonaro nas eleições presidenciais, o petista Fernando Haddad.

Por outro lado, o ministério tem gerado uma boa quantidade de vergonha alheia. Na última, que foi vista como a gota d'água pela ala racional do governo, mandou um e-mail para todas as escolas públicas e privadas do país, pedindo que fosse lida em voz alta uma carta do ministro, com forte viés de autopropaganda, que terminava com o slogan de campanha de Bolsonaro – "Brasil acima de tudo. Deus acima de todos". Depois, solicitava a execução do hino nacional. E que as crianças fossem gravadas em vídeo e as imagens enviadas ao ministério. Sem autorização dos pais. Voyeurismo estatal.

Após mais de dois meses empacado, Vélez foi convencido a reduzir as insanidades ideológicas para fazer o ministério andar. Isso passou pela demissão de seguidores de Olavo de Carvalho – que partiu para o ataque. A reação destemperada do escritor também provocou baixas, incluindo o secretário executivo. Como consequência de ter ganho a antipatia do antigo padrinho, Vélez perdeu a pouca autonomia que tinha e seu próprio emprego subiu no telhado.

Por sorte, os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que atendem de creches ao ensino médio, seguem direto para Estados e municípios, de acordo com o número de alunos informado no censo escolar. Não estão sujeitos a turbulências causadas por tempestades toscas do ministério.

O Brasil conta com uma formação precária dos docentes e com alunos que saem do Ensino Médio analfabetos funcionais. Assiste a roubo, ausência e baixa qualidade da merenda escolar. Paga baixos salários aos professores e não fornece estrutura suficiente em todas as escolas. Mantém um teto orçamentário, aprovado no governo passado, que restringe novos investimentos em uma área que ainda está distante de um mínimo aceitável.

Mas a sensação, de acordo com as preocupações do governo, é de que o problema da Educação passa pela presença de ilustrações de pipius e xaninhas em cartilhas voltadas a explicar a adolescentes cuidados de saúde com o próprio corpo. Ou a presença de conteúdo didático destinado a combater a violência contra mulheres, homossexuais e transexuais. Ou ainda um suposta doutrinação gayzista-globalista-político-partidária por militantes comunistas travestidos de professores, que pregam o fim da família e da propriedade privada e distribuem mamadeiras de piroca aos alunos.

Combater o fantasma de um comunismo que nunca existiu por aqui é mais fácil do que enfrentar problemas reais, como fa alta de internet, de lousa, de papel higiênico nas escolas. Porque seguir os passos de quem xinga a tudo e a todos pelo YouTube, com a profundidade de um pires, é fácil. Já pesquisar e construir soluções práticas demandam uma racionalidade que assusta muita gente.

Contudo, combater fantasmas serve para transformar algo insignificante em um inimigo terrível. Anima, dessa forma, a batalha da extrema direita ruidosa, aliada de primeira hora do presidente, cujo engajamento é peça-chave para um governo que pretende manter a campanha eleitoral acesa até o seu último dia. Às custas da dignidade das novas gerações.

Bolsonaro pode colocar o ministro com a ideologia que achar melhor, afinal ganhou a eleição. Mas ao nomear pessoas que não têm capacidade de tocar a empreitada e seguir conselhos de quem não entende nada de pedagogia e/ou gestão pública, o presidente empurra com a barriga a possibilidade de construir um futuro melhor via uma educação de qualidade.

E vai ser lembrado, negativamente, por conta disso. Pois, em última instância, a responsabilidade por tudo o que está acontecendo não é de Vélez, de Olavo, dos militares, mas dele próprio, que possui a palavra final.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.