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Leonardo Sakamoto

Deputado que relatar Reforma da Previdência pode cometer suicídio político

Leonardo Sakamoto

22/03/2019 20h42

Foto: Marcos Correa/PR

Um bom termômetro para sentir a aceitação da Reforma da Previdência na Câmara dos Deputados é a briga campal para poder ficar com a sua relatoria. Você ouviu a respeito? Não? Bem, é porque ela não existe.

A maioria dos deputados federais em sã consciência não aceitaria, hoje, relatar a Reforma da Previdência porque significaria um suicídio político devido ao duro conteúdo da proposta, à falta de articulação por parte do governo e ao ambiente tóxico criado pela crise entre o Congresso e o Palácio do Planalto.

Um deputado tucano, que falou de forma reservada ao blog, traçou um paralelo. Lembrou que dois de seus correligionários foram os relatores da Reforma Trabalhista na Câmara e no Senado Federal – respectivamente, Rogério Marinho (PSDB-RN) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Ambos não conseguiram se reeleger e culparam o PT e sindicatos pela imagem de que a reforma que lideraram retirou direitos. Marinho é, hoje, secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e está à frente das discussões da reforma.

Vale lembrar que o relator da Reforma da Previdência sob Temer, Arthur Maia (PPS-BA) foi reeleito, mas sua reforma não chegou a ser votada em plenário.

Não significa que os deputados estão evitando a relatoria por medo de não se reelegerem, afinal, a menos que tentem uma prefeitura no ano que vem, o problema virá apenas em 2022. Mas se a Reforma Trabalhista, um pacote com mais de 120 medidas, muitas das quais extremamente técnicas que não contavam com ampla compreensão e que praticamente não foi criticada em mobilizações de rua, já causou ruído junto ao eleitorado, imagine a Reforma da Previdência. Afinal, segundo o deputado acima, não são todos que têm carteira assinada no Brasil, mas a grande maioria espera se aposentar ou sabe que, na pior das hipóteses, pode contar com um salário mínimo aos 65 anos se estiver em situação de miséria.

E esse é o clima hoje entre muitos parlamentares. Se o governo Bolsonaro não mudar seu comportamento diante da reforma e do Congresso, engajando-se ao processo, vai ser difícil alguém com credibilidade e trânsito aceitar o desafio de relatar a criança.

A reforma é o maior abacaxi a ser descascado pelo Congresso em muitos anos. O duro pacote encaminhado pelo Ministério da Economia atinge o funcionalismo público, bem organizado, de magistrados e procuradores a professores e policiais. Endurece as regras da aposentadoria para dezenas de milhões de brasileiros da iniciativa privada, aumentando de 180 para 240 meses a contribuição mínima. E, principalmente, dificulta a vida idosos em situação de miséria, trabalhadores rurais pobres, viúvas e órfãos.

Se não bastasse o tumulto que isso já causaria à vida do relator ou da relatora, o governo decidiu encaminhar uma proposta de Previdência dos militares (economizando R$ 97,3 bilhões em dez anos) junto com uma de reestruturação de suas carreiras (gastando mais R$ 86,85 bilhões), o que dá uma economia real de R$ 10,46 bilhões. O governo tem nos militares um dos principais fiadores, tanto que a equipe possui oito ministros oriundos das Forças Armadas.

A partir daí, a afirmação que "o sacrifício é igual para todos" não pode ser usado para defender a proposta, afinal uns são mais iguais que os outros

Bolsonaro assumiu com um discurso de que iria implantar uma "nova política" e que a relação com o Congresso Nacional se daria através do diálogo e do convencimento de que as matérias que defende são importantes para o país. Isso pode colar a seus seguidores em redes sociais, mas não para deputados e senadores.

Alguns, claro, funcionam na base de muito faz-me-rir. Outros, contudo, não quem cargos e emendas, mas defendem que divida poder e deixe os partidos participarem do governo. Ele resiste, tanto que uma parte do próprio PSL, seu partido, não sente que faz parte também. Bolsonaro se justifica dizendo que montou uma equipe técnica. O problema é que, até agora, o que se viu são ministros especializados em causar vergonha, como Ernesto Araújo e Ricardo Vélez.

Bolsonaro prefere governar com seus filhos do que com partidos políticos. E tem não apenas acusado a "velha política" do Congresso Nacional de criar problemas para a sua "nova política", como, ao lado de aliados digitais, fomenta a insatisfação de seus seguidores em redes sociais contra os políticos tradicionais. Se o diálogo for substituído por coação digital no Congresso Nacional, com o grupo do presidente jogando fãs para ameaçar parlamentares do centrão em nome das propostas de seu interesse, vai dar merda. Deputados e senadores não funcionam como cidadãos comuns que, temendo ataques, cedem. Dão o troco, mais cedo ou mais tarde.

Convencer seguidores nas redes sociais a apoiarem algo é bem mais fácil do que fazer com que lideranças partidárias coloquem as pautas do governo na agenda de votações e entreguem votos necessários. Uma coisa é a justa pressão, o desejável monitoramento por parte dos eleitores e mandatos realmente participativos, com construção coletiva. Outra é usar o eleitor como massa de manobra, fomentando a violência digital como instrumento da política diária.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, havia chamado para si a articulação da reforma diante da inoperância do Palácio do Planalto. Foi alvo de fogo-em-tese-amigo. O maior deles, do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente e gestor de suas redes sociais. Isso irritou Maia, que disse estar abandonando esse papel. 

A tudo isso se soma o mau humor causado pela prisão de Michel Temer e Moreira Franco nesta quinta (21). O cheiro de vingança e a sensação de ameaça sobre a classe política, do governo ou da Lava Jato, atiça o instinto de autopreservação dos parlamentares.

A incapacidade de articulação do governo Jair Bolsonaro e sua arrogância diante da política deflagrou um conflito com a Câmara dos Deputados. Ele próprio, que passou décadas elegendo-se com o discurso de ser um defensor de categorias militares, não se mostra tão empolgado com a Reforma da Previdência. Mas sabe que só conseguirá levar adiante sua agenda medieval em costumes e comportamento, seu xodó, se entregar o prometido à elite econômica.

Diante de tudo isso, o presidente ainda comparou, nesta sexta (22), Rodrigo Maia a uma namorada que quer terminar a relação. "Você nunca teve uma namorada? E quando ela quis ir embora o que você fez para ela voltar, não conversou? Estou à disposição para conversar com o Rodrigo Maia, sem problema nenhum", disse ele, que está em visita Chile.

Em resposta, Maia disse ao Jornal Nacional que o presidente "precisa ter mais tempo para cuidar da Previdência e menos tempo cuidando do Twitter".

Seria bom alguém avisar Bolsonaro que, seguindo assim, a próxima DR que ele terá será com Paulo Guedes e o tal do mercado.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.