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Leonardo Sakamoto

Bolsonaro trava uma guerra pelo Twitter. Mas não é pelo bem do Brasil

Leonardo Sakamoto

23/03/2019 10h23

Foto: Helvio Romero/Estadão Conteúdo

Em uma das críticas mais duras a Jair Bolsonaro desde que assumiu a República, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou, em entrevista ao Jornal Nacional, que "ele precisa ter mais tempo para cuidar da Previdência e menos tempo cuidando do Twitter".

A declaração é o ponto mais alto (até agora) de um processo de desgaste em que parlamentares sentem-se desconsiderados, pressionados e atacados pelo presidente e assessores. Processo em que Bolsonaro parece usar seus filhos e apoiadores nas redes sociais a fim de dizer aquilo que não pode falar diretamente para não azedar a maionese.

Ninguém defende um Congresso Nacional movido a faz-me-rir, como tem sido a praxe. Mas também é impossível aprovar uma Reforma da Previdência que, na prática, significa estabelecer um novo projeto de longo prazo de país, sem alianças, que significam repartir o poder. Ainda mais para um presidente que não conta com maioria no parlamento.

Bolsonaro parece não saber ou ter nojo de fazer política, que é a arte de encontrar soluções pacíficas para conflitos e buscar formas coletivas de construção da sociedade, garantindo a divisão racional e solidária dos limitados recursos disponíveis (balcão de venda de cargos e emendas não é política, mas crime). O que faz sentido porque, em três décadas de Congresso, especializou-se em promover a cisão.

Maia tem um ponto. Como já disse aqui antes, o povo não quer tuíte sobre golden shower, mamadeira de piroca e comunismo, mas saber de seu presidente como vai reduzir as 64 mil mortes violentas anuais, gerar postos de trabalho formais para 12,7 milhões de desempregados e garantir esgoto à metade das escolas que não contam com o serviço no país.

Mesmo sobre a Previdência, a população espera um debate aberto e franco. Há um ajuste fiscal que precisa ser feito e o envelhecimento da sociedade demanda mudanças no sistema de aposentadorias. O problema é que o governo arrota que a reforma vai retirar privilégios, enquanto protege os militares. Diz que ela vai atingir apenas os mais ricos – e planeja dificultar a vida de idosos em situação de miséria, trabalhadores rurais e viúvas e órfãos pobres. E não se apresenta para debater com a população, apenas com entidades empresariais e investidores.

Enquanto isso, hordas de apoiadores do presidente, nativas ou contratadas, atacam críticas à reforma nas redes sociais, em um intenso bullying digital contra jornalistas, políticos, economistas, sindicalistas, movimentos sociais.

A imprensa tem papel fundamental na construção simbólica de nosso cotidiano e na organização da agenda pública. O presidente sabe disso, apesar de decretar a falta de credibilidade de jornais e jornalistas. O que é um paradoxo, pois se realmente não tivessem nenhuma, ele não precisaria repetir isso o tempo todo como se quisesse nos convencer a ler o que ele escreve em tuítes e assistir às suas lives.

Com exceção da militância cega, à direita e à esquerda, capaz de saltar com seus líderes no abismo, incorporando o folclore dos lemingues suicidas, o grosso das pessoas é capaz de perceber que jogar purpurina em cima de uma moita de musgo não a torna uma joia de rara beleza, mas apenas uma moita de musgo que brilha. Principalmente se elas têm que continuar vendendo quentinha na rua porque não conseguem um emprego fixo.

A população pode se beneficiar da melhoria das contas públicas trazida com a Reforma da Previdência, mas é importante lembrar que não se come indicadores. O governo pode explicar quantas vezes quiser que está agindo de forma a preparar terreno para a economia crescer com reformas. De nada vai adiantar se as empresas não criarem vagas suficientes e em um curto espaço de tempo para aplacar o ranger de dentes milhões.

É mais fácil destruir do que construir usando redes sociais – da Primavera Árabe, passando pelo impeachment de Dilma Rousseff até o discurso antissistêmico e contra tudo o que está aí que ajudou a eleger Bolsonaro, temos exemplos fartos disso. O presidente mantém sua comunicação no mesmo estado bélico com o qual ganhou as eleições, apostando em uma guerra prolongada para manter os apoiadores unidos contra o "inimigo". Que, a princípio, é personificado na esquerda, mas abrange todos aqueles que se oponham à sua família. Além, claro, das batalhas contra Moinhos de Vento, vendidos como gigantes ideológicos, mas sem a mesma inocência e carisma que Dom Quixote. O problema é que, com a delicadeza de um elefante bailando em sala de cristais, vai abatendo aliados no meio do caminho.

O problema é que a estratégia tem limites e a população está cansada. Sem ver nenhuma proposta concreta sendo colocada e enjoada com os arroubos ideológicos, a avaliação positiva do governo caiu 15 pontos desde a posse, enquanto a negativa subiu 13, segundo pesquisa Ibope, divulgada nesta semana.

Se ele não souber como explicar o que o governo está fazendo para garantir uma vida melhor e quando isso vai chegar, não importará se as desculpas virão via Twitter ou em uma entrevista coletiva à imprensa. Até porque o futuro país precisa mais de segurança, emprego e estabilidade econômica do que de Bolsonaro.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.