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Leonardo Sakamoto

Além do BPC: oposição mira "maldades" a pobres na Reforma da Previdência

Leonardo Sakamoto

28/03/2019 10h16

Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A promessa dos líderes do centrão de vetar tanto o endurecimento das regras da aposentadoria rural quanto as mudanças no benefício assistencial a idosos em situação de miséria na Reforma da Previdência, mais do que um troco pela falta de interlocução com o governo, mostra que muitos parlamentares não estão dispostos a ir para o sacrifício em nome de Jair Bolsonaro.

Deputados de partidos da oposição com os quais este blog conversou nos últimos dias afirmaram que devem priorizar críticas a medidas presentes na Reforma da Previdência que atingem outras camadas vulneráveis da população, além, é claro, de tentar barrar a previsão do regime de capitalização. As medidas mostrariam a contradição entre o discurso do governo de combate a "privilégios" e a retirada de proteção social. Segundo eles, a retirada das mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria especial rural já era esperado, pois seriam "bodes na sala" incluídos pelo governo para servir de negociação em algum momento. Momento que veio antes da hora devido à briga campal entre o presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados.

Há realmente pontos na reforma que impactam negativamente a classe média baixa e os pobres com mais renda do que aqueles que estão na faixa do BPC, em situação de miserabilidade.

Por exemplo, toda vez que um economista defende que viúvas e órfãos possam receber pensões menores que um salário mínimo por mês, um panda comete suicídio na China. Quando o governo explica que alguém que ganha dois salários mínimos e contribui por 20 anos vai receber uma aposentadoria no valor de 60% da média salarial e não mais 90%, como é hoje, um elfo tem um infarto fatal em alguma floresta da Nova Zelândia. E se algum especialista diz que é uma boa ideia subir o mínimo de contribuições mensais de 180 para 240 para que pobres possam se aposentar, ignorando o alto índice de informalidade, um pônei quebra a perna em uma fazenda do Kentucky.

Sem falar que a defesa de que mulheres da economia familiar rural se aposentem na mesma idade que os homens (60 anos), sem a diferenciação que ocorre em outras categorias, tem matado muito urso polar, daqueles branquinhos, bem fofinhos, de desgosto.

O ministro da Economia, Paulo Guedes afirmou, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, nesta quarta (27), que seu trabalho é pragmático e não ideológico. No fundo, ele sabe que isso é bobagem. O liberalismo que ele empunha é uma ideologia como qualquer outra, uma concepção de mundo que se manifesta implicitamente na vida individual e coletiva.

Discursos econômicos são craques em se afirmarem neutros quando, na verdade, não são. Em defender que é lógico afirmar que o trabalhador deve decidir se quer menos direitos e emprego ou todos os direitos e desemprego, que é racional a redução de investimentos em setores básicos como educação e saúde ou que é natural dizer que o princípio da solidariedade, previsto na Constituição Federal de 1988, ajudou a quebrar o país e que, por isso, é necessário retirar proteção social aos mais vulneráveis para fechar as contas.

Na mesma comissão, ele disse que se não contar com apoio do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional pode voltar para casa, pois tinha uma vida antes de tudo isso. Lideranças partidárias discutem como blindá-lo de seu próprio governo, que conta com um líder que parece tomar gosto em atear fogo em seu país para poder tocar lira aos seus seguidores nas redes sociais.

É fundamental respeitar ministros racionais, como Guedes, ainda mais quando figuras como Ernesto Araújo e Ricardo Vélez provocam vergonha alheia em audiências públicas por onde passaram. Os alemães têm uma palavra para isso – fremdschämen. Agora seria um bom momento para cunharmos a nossa também.

Mas antes de blindá-lo, os parlamentares deveriam procurar proteger os trabalhadores mais vulneráveis que se aposentam com pouco dinheiro, mas muito esforço. Eles precisariam ser ouvidos, mas, ao contrário do que fazem grandes empresários, não podem organizar jantares, grandes eventos e visitas de cortesia a Brasília.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.