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Leonardo Sakamoto

Em silêncio, Bolsonaro vê ataque de Olavo de Carvalho a ministro general

Leonardo Sakamoto

01/04/2019 16h42

Foto: Adriano Machado/Reuters

Os ataques à ala militar do governo Jair Bolsonaro realizados pelo polemista Olavo de Carvalho, que os chama de "bando de cagões", e contra o ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, Carlos Alberto Santos Cruz, crescem em quantidade e virulência. Enquanto isso, o presidente permanece em ensurdecedor silêncio por concordar, achar graça, não saber o que fazer ou acreditar que promover a guerra entre seus aliados garante que ninguém queira sua cadeira e anima seu fã clube. Vai, dessa forma, minando quem o está protegendo. Não raro, dele mesmo.

O presidente permanece em ensurdecedor silêncio diante dos ataques de Olavo de Carvalho ao ministro e general Santos Cruz. Ele acha graça, não sabe o que fazer ou acredita que promover a guerra entre seus aliados garante que ninguém queira sua cadeira.

Acusando o general de "mediocridade invejosa" e acreditando realmente ter sido o principal responsável pela chegada da extrema direita ao poder, disse que, sem ele, Santos Cruz estaria "levando cusparadas na porte do Clube Militar e baixando a cabeça", ignorando seu extenso e respeitável currículo. Afirmou que ele "é apenas um monstro de auto-adoração e empáfia" e que "obviamente só pensa em si mesmo". Atestou, para quem tem dúvidas, que o general "simplesmente não presta". Com isso, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, até então alvo predileto da bile de Olavo de Carvalho, ganhou estrelada companhia.

Ao ter chamado o escritor de "desequilibrado", na semana passada, por conta dos ataques que ele vinha proferindo aos militares, Santos Cruz nada fez além de repetir um lugar-comum, como "a Terra é redonda". Para a maioria das pessoas com o mínimo de bom senso, portanto, isso não chega a ser uma notícia. Já para o guru da família Bolsonaro, que, coincidentemente, também defende teses intelectualmente terraplanistas, como "o nazismo é de esquerda", foi um ultraje.

Por mais que a holding Bolsonaro & Sons o idolatre, Olavo de Carvalho não quis participar diretamente da administração federal. Preferiu se manter como ombudsman do país, além de indicar dois ministros hipossuficientes – Ernesto Araújo (Relações Internacionais) e Ricardo Vélez (Educação). Por outro lado, o general Santos Cruz é ministro lotado no Palácio do Planalto, com um currículo que inclui comandos de missões de paz internacionais no Haiti e no Congo. Altos funcionários das Nações Unidas, em Genebra, com quem conversei, elogiam o general. Se nada disso bastasse para levar Bolsonaro a se pronunciar diante dos ataques contra ele feitos pelo guru da Virgínia, pesaria o fato de que são amigos há décadas. Ou não.

Há uma disputa entre as alas militar e ideológica do governo federal neste momento. A primeira tenta aparar as arestas extremistas do presidente e as de seus dois assessores acima citados, que colocam em risco a articulação política, o futuro (pela falta de funcionamento do ministério da Educação) e a paz (no caso de ações atabalhoadas envolvendo a Venezuela).

A segunda, deseja ver o circo pegando fogo, porque, da cinzas, ressurgiria um novo Brasil. Ou, ao menos, as chamas manteriam os seguidores piromaníacos alertas para defender o governo diante de sua, até agora, incompetência. Acreditam que Bolsonaro teria a maioria da população a seu favor se quiser refundar a República.

Se ele conseguir reduzir, consistentemente e na velocidade que a população precisa, a herança maldita de 64 mil mortes violentas por ano e os 13,1 milhões de desempregados talvez. Mas faltam políticas para tanto.

Ao permitir que figuras externas ao seu governo ataquem um ministro que está agindo para evitar o pior para o próprio governo, Bolsonaro mostra que não é apenas um presidente "café com leite", aquele jogador mais fraco, em que seus erros e falhas são relevados, e que precisa ser continuamente corrigido pela sua própria equipe. Ele também vai mostrando que é um capitão frágil, que nada faz diante das disputas internas de seu time. Talvez por ter ouvido sobre a tática do "dividir para governar". Se for assim, ninguém lhe explicou que é para dividir o inimigo, não os aliados.

Olavo afirmou que o presidente "deveria parar de ouvir maus conselhos". Olavo tem razão. Bolsonaro ouve muitos maus conselhos. Os que causam mais danos ao seu governo, aliás, não são os oriundos da ala militar da cúpula federal, que o escritor considera má influência para o presidente, mas aqueles postados nas redes sociais por ele próprio ou transmitidos por seus pupilos – alguns dos quais pertencentes ao núcleo do poder.

Ou seja, o problema não é a "tutela" do presidente, mas quem deveria realizá-la.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.