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Leonardo Sakamoto

Desprezo ao golpe de 1964 é maior entre os mais jovens - e isso é um alento

Leonardo Sakamoto

06/04/2019 10h01

Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

Pesquisa Datafolha, divulgada neste sábado (6), apontou que 57% da população defende que o aniversário do golpe de 1964, que deu início a uma ditadura de 21 anos, não deve ser alvo de celebrações. Até aí, tudo bem, considerando levantamentos anteriores sobre a opinião dos brasileiros sobre democracia e ditadura, esse refresco já era esperado.

Contudo, 36% dos entrevistados defenderam bolo, brigadeiro e coxinha para o 31 de março, acreditando que a data deve ser comemorada. O número, apesar de representar pouco mais de um terço, assusta.

Houve um efeito colateral positivo com a decisão estapafúrdia do presidente Jair Bolsonaro em ordenar aos quartéis a delebracão do golpe militar, que foi possibilitar que o tema fosse amplamente discutido junto à população. Por identidade reativa, grupos que não se bicam, mas são favoráveis à democracia, atacaram conjuntamente a posição do capitão.

A reflexão sobre o golpe e a ditadura não fizeram parte de nosso cotidiano em comparação a outros países que viveram realidades semelhantes e também almejam ser democracias plenas. Passadas mais de três décadas de seu término, começamos a esquecer e a relativizar. O próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, disse que se sente mais confortável de chamar o golpe de 1964 de "movimento". Para Eduardo Bolsonaro, deputado federal com a maior votação do país e filho 03 do presidente, basta um cabo e um soldado para fechar o STF de Toffoli. Bolsonaro já afirmou que concorda com a tortura – tortura, que é a prova de que um Estado não obedece regras e, portanto, torna qualquer cidadão potencial vítima de arbitrariedade, quanto ao seu corpo, suas crenças, suas propriedades.

Outra pesquisa Datafolha, de outubro do ano passado, mostra que 69% dos eleitores acreditam que o regime democrático é a melhor forma de governo para o país – índice mais alto registrado desde 1989, quando houve a primeira eleição direta para a presidente após a ditadura. Outros 13% disseram que tanto faz e 12% afirmaram que, em certas circunstâncias, melhor uma ditadura.

Mas o estudo "Medo da Violência e Autoritarismo no Brasil", produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com levantamento do próprio Datafolha, em 2017, mostrou que, em uma escala de zero a dez, a sociedade brasileira marca 8,1 na propensão a endossar posições autoritárias em nome de soluções para sua vida.

O que isso significa? Bolsonaro não foi capaz até agora, de apontar alternativas para a redução dos 13,1 milhões de desempregados e as 64 mil mortes violentas por ano. Se tivesse sido, parte da população aceitaria um governo que se tornasse mais autoritário em costumes e comportamento se, em troca, sua vida melhorasse nessas duas áreas.

Mais de um terço da população acha válido comemorar o golpe militar. Deveríamos não esquecer esse número, pois significa que, apesar das instituições construídas para defender a democracia desde 1985, uma parcela não desprezível da população aceitaria substituí-la. Uma república não dorme confortável com esse barulho.

O alento é que o desprezo em comemorar o golpe militar é maior entre os mais jovens. Apesar de não terem vivido a derrocada da democracia em 1964, 64% daqueles que têm entre 18 e 24 anos são contra celebrar a data – o número cai para 49% entre aqueles com mais de 60 anos. Esses jovens não relativizam o autoritarismo e entendem que a liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada. Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente.

Há um caminho longo, através da educação e do debate público, para que a minoria que hoje clama por golpe militar e pela volta da ditadura continue a ser vista pelo restante da sociedade como mal informada, ignorante ou insana – e tratada com todo o carinho possível e paciência. Pois, talvez um dia, compreenda o que significa a liberdade que está diante de seus olhos olhos, mas que não consegue enxergar.

Sobre o Autor

É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão e comissário da Liechtenstein Initiative - Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos. É autor de "Pequenos Contos Para Começar o Dia" (2012), "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (2016), entre outros.